Eugénio de Andrade

Nasceu na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão, a 19 de Janeiro de 1923.

Ainda durante a infância foi para Lisboa e mais tarde para Coimbra, onde terminou os seus estudos secundários.

A partir de 1950 fixa-se no Porto, cidade em que actualmente reside.

MEMORIAL DE UM CORPO

 

Entras no meu sono  
quando o sono tarda.
.
Contigo o desejo
acorda nos ramos.
.
Nos teus lábios mordo
a raiz do lume..
.
Entre as tuas pernas
quebram minhas ondas.
.
Nos ramos mais altos
rebentam os gomos.
.
Cresces para a luz
dentro do meu sono.

 

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ADAGIO QUASI ANDANTE

 

Uma palavra ainda, para sentir a terra, Já o aroma rebenta nas axilas, Agora o ardor desce as escadas,
Uma palavra, onde se esconde o trevo.
onde descubra a boca acesa. Tropeça na palha defunta.
Uma palavra ainda.
O corpo, Uma palavra ainda.
Sorver o sol, o sumo da língua,
Onde colher os abrunhos maduros Sentir um tempo novo,
do silêncio, Aquecer na minha boca bater na pedra porosa do desejo.
vertente aguda sobre o mar - a pedra cintilante dos teus joelhos,
sobre o teu corpo o meu corpo, Derrubar o muro,
Já as águas se inclinam, lento em florir. entrar em casa reconciliado,
para as aves, que o vento traz à tona. com as húmidas pálpebras do Outono.
Pressinto lábios na música
Já o rumor das colinas de uma sílaba escura. No leito matinal, declinar a beleza.
chama as vespas, Um beijo.
de ardente e de oiro, cintura fresca. Ornamento de todos os meus órgãos. Uma palavra.

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SOBRE OUTROS LÁBIOS

Eu crescia para o verão,
para a água
antiquíssima da cal
crescia violento e nu.
Podiam ver-me crescer
rente ao vento,
podiam ver-me em flor,
exasperado, puro.
À beira do silêncio,
eu crescia para o ardor
calcinado dos cardos
e da sede.
Morre-se agora
entre contínuas chuvas,
os lábios só lembrados
dum verão sobre outros lábios.

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