Alfredo Bosi

A magia penetra as renkas de Alberto da Cunha Melo conferindo insólita beleza a esta sua última criação. 

 

 

(Orelhas do livro O Cão de Olhos Amarelos & Outros Poemas Inéditos,

de Alberto da Cunha Melo. Lançamento da A Girafa Editora, 2006)

 

 

           O que significa esta nova experiência poética de Alberto da Cunha Melo - O cão de olhos amarelos
           Começo atentando para o procedimento de composição que o poeta adotou de modo sistemático. A repetição é aqui estrutural, pois se dá não só no interior de cada estofe, mas serve de leixa-pren atando as quintilhas entre si. 
          O efeito é encantatório como na poesia ritual que habita as fórmulas mágicas, antiga função religiosa que ainda sobrevive. O rito renasce, de algum modo, na música e na dança que não dispensam a reiteração do som e dos gestos. A magia penetra as renkas de Alberto da Cunha Melo conferindo insólita beleza a esta sua última criação. 
          Mas quer-me parecer que O cão de olhos amarelos vale-se da retomada frásica e rítmica com vistas a outro efeito, a rigor oposto ao da melopéia encantatória. Trata-se de um modo de compor que tem a ver com o desígnio intelectual de chamar a atenção para o cerne semântico do poema. Um dos traços molestos da cultura pós-moderna é certa multiplicação incoercível de mensagens, beirando a vertigem e minando por dentro as forças da atenção e da memória. Um antídoto válido à dissipação do espírito do leitor é precisamente a repetição pensada de idéias e sentenças. A nova poesia de Cunha Melo traz esse estímulo à inteligência: convida o leitor a deter-se no sentido de cada frase, é um plus de energia significante que “dá a pensar”, para dizê-lo com a fórmula incisiva de Paul Ricoeur. 
           No entanto, esse trabalho formal entre mágico e cognitivo não foi construído para si próprio, não é um mecanismo autodecorativo, puro desfrute da linguagem pela linguagem. Ao contrário, volta-se para um núcleo rico de dimensões existenciais. Reencontro nestes poemas o criador original de Yacala modulando em tom menor o mistério da vida nos seus confins com a morte. E reconheço veios de uma forte tradição nordestina de poetas da agonia e dos extremos. Aqui ressoam a voz dramática de Augusto dos Anjos, a voz faca-só-lâmina de João Cabral, as vozes lancinantes de Nauro Machado, as muitas e vertiginosas vozes de Ferreira Gullar.
         O imaginário é diferente, peculiar a cada poeta, mas em todos repontam a intuição da finitude da carne e o anseio de reter na palavra o pathos do amor e do sofrimento. Percebo um ar de família que aparenta fisionomias diversas, um olhar severo mas ardente que séculos de experiências comuns acabaram formando:
                        Um dia temos de escolher
                        entre a dor que já padecemos
                        e a que tentamos inventar.

 

Alfredo Bosi, escritor e crítico literário, é diretor do Centro de Estudos Avançados da USP e membro da Academia Brasileira de Letras.

 
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