Fernando Pessoa... e heterónimos!
Poesia de Alberto Caeiro
Se eu morrer novo, | Não desejei senão estar ao sol ou à chuva, |
sem poder publicar livro nenhum, | Ao sol quando havia sol |
Sem ver a cara que têm os meus versos | E à chuva quando estava chovendo |
Em letra impressa, | (E nunca a outra coisa), |
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa, | Sentir calor e frio e vento, |
Que não se ralem. | E não ir mais longe. |
Se assim aconteceu, assim está certo. | . |
. | Uma vez amei, julguei que me amariam, |
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos, | Mas não fui amado. |
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos. | Não fui amado pela única grande razão - |
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir, | Porque não tinha que ser. |
Porque as raízes podem estar debaixo da terra | . |
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista. | Consolei-me voltando ao sol e à chuva, |
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir. | E sentando-me outra vez à porta de casa. |
. | Os campos, afinal, |
Se eu morrer muito novo, oiçam isto: | não são tão verdes para os que são amados |
Nunca fui senão uma criança que brincava. | Como para os que não são. |
Fui gentio como o sol e a água, | Sentir é estar distraído. |
De uma religião universal que só os homens não têm. | . |
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma, | Quando vier a Primavera, se eu já estiver morto, |
Nem procurei achar nada, | As flores florirão da mesma maneira, e as árvores, |
Nem achei que houvesse mais explicação | Não serão menos verdes que na Primavera passada. |
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum. | A realidade não precisa de mim. |