Segundo Período Filos. Moderna - Cap. 16
Enciclopédia Simpozio      Micro História da Filosofia.


HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA.


CAP. 15.
FILOSOFIA DO SÉCULO DAS LUZES,
3-a fase, do 1-o Período moderno, séc. dezoito. 2216y605.


605. Introdução à fase final do 1-o Período da filosofia moderna. Pela volta de 1700, quando principiava o século 18, várias transformações em andamento, fazem constatar que a filosofia passava a uma nova fase, e que veio a ser denominada filosofia do século das luzes. Do ponto de vista da história geral, ou seja dos acontecimentos políticos, deu-se um marco importante na política inglesa, que assumira uma nova forma, com a assim chamada gloriosa revolução, promovida por Guilherme de Orange; enquanto isto, na França, um processo ideológico de progressão constante, levaria em 1789 à derrubada de uma estrutura política de privilégios, com o movimento que se fez conhecido por Revolução francesa (1789). Dentro deste espaço político também progrediram as ciências experimentais e as técnicas de uma nova civilização. Por algum tempo prosperou o colonialismo. Foi sobretudo a burguesia a principal propulsora da prosperidade moderna, a qual, por transformações diversas, resultou na globalização da economia.

Os fatos especificamente filosóficos do século das luzes são representados na Inglaterra como desenvolvimento do empirismo, cada vez mais coerente consigo mesmo, com a recíproca da definição das posições opostas, entre elas a dos moralistas da Escola Escocesa; na França, pela instalação do empirismo; na Alemanha, pelo sucesso do racionalismo, o qual finalmente encerrará o primeiro período da filosofia moderna, pela superação de si mesmo, com a passagem à filosofia transcendental, por efeito das ponderações de Kant, cuja Preleção de 1870, usa ser apontado como data limite entre o período cartesiano que cessa, e o novo que tem início, as vezes denominado kantiano.

Pelo visto, muitas são as datas de referência, não sendo possível determinar fronteiras precisas na cronologia do novo tempo; mas todas elas apresenta algo a dizer, por que os fatos humanas dependem de interações, em que nada é inteiramente isolado, podendo-se apenas falar em graus de principalidade.
 

606. Divisão. Atentos à materialidade dos acontecimentos filosóficos, mais do que à sua formalidade temporal, distingue-se cada vez mais claramente a divergência gnosiológica das filosofias, - de um lado a filosofia racionalista e de outra a empirista. O que na 2-a fase da filosofia moderna já estava claro e serviu à exposição didática para distinguir entre si, de um lado, os racionalistas Descartes, Spinoza, Malebranche, os escolásticos remanescentes, de outro, os empiristas Bacon, Hobbes, Locke, - conserva-se agora, para distinguir entre si, em artigo próprio, aos novos racionalistas (Leibniz, Wolff, Baumgarten) e aos novos empiristas e mesmo céticos (Bayle, Hume, Condillac, Diderot e os enciclopedistas franceses em geral).
 


ART. 1-o FILOSOFIA RACIONALISTA,
3-a fase, do 1-o período moderno, séc. dezoito. 2216y607.


§1-o. Monadismo. Harmonia preestabelecida. 2216y607.
 
 

607. Similar ao atomismo, o monadismo criado por Leibniz, dentro do contexto cartesiano, pensa todas as coisas como unidades simples, quer se trate de espíritos, quer de corpos.

O pensamento mágico imagina que as leis que regem o mundo são mera vontade externa de quem as enuncia. A rota dos astros seria apenas uma lei divina, e não algo determinado pela força interna da natureza das coisas em interação.

A harmonia preestabelecida seria mais ou menos o que o pensamento mágico imagina. Nada age a partir de si, mas a partir de uma ordem divina dada às coisas. Neste quadro mental se desenvolveram vários pensadores situados na tradição cartesiana, de que são exemplos o ocasionalismo de Geulincx e Malebranche, e finalmente também de Leibniz.
 

608. Leibniz. Godofredo Guilherme (Gottfried Wilhelm) (1646-1716). Filósofo, matemático, físico, historiador, diplomata alemão, nascido em Leipzig. Filho de professor universitário, todavia órfão já aos 6 anos, foi desde logo um autodidata surpreendente, ao mesmo tempo que fazendo estudos regulares. Aos 15 anos, 1561, atingiu o ingresso na universidade de Leipzig, e já bacharel em 1663, mestre de filosofia em 1664. Graduado em direito, em Altdorf, em 1666. Ingressou no serviço diplomático do Eleitor de Mainz (Mogúncia). Assim foi que passou em Paris, os anos de 1772 até 1776, quando teve excelentes contatos com inteletuais da época. Ingressou depois, como bibliotecário, na corte do duque de Hannover. Fez viagens de estudos a Roma e Viena. Em 1700 se transferiu para Berlim, à convite da Eleitora Sofia Carlota. Fundada a academia de Ciências da Prússia, foi seu primeiro presidente. Em 1714 esteve em Viena, onde recebeu um título nobiliárquico do Imperador. Retornando a Hannover, ali faleceu.
 

609. Racionalismo leibniziano. Construiu Leibniz uma filosofia racionalista, utilizando as linhas fundamentais do cartesianismo, por sua vez mais platônico do que aristotélico. As idéias são alcançadas independentemente da experiência; o conteúdo de tais idéias é maior, do que as que se operam com o ser colhido no sensível.

Todavia, a tese leibniziana da idéia inata é mais moderada que a do Descartes. Não são inatas as formas atuais do pensamento, mas apenas a potência ou disposição para fazê-las surgir ao contato com a realidade.
Dois são os princípios resultantes da análise racional das idéias: o princípio de contradição, que rege o possível; e o princípio de razão suficiente, que rege as existências.
 

610. Harmonia preestabelecida. A correspondência das idéias com as realidades exteriores decorre da harmonia entre as idéias e as realidades, estabelecida desde a origem.

Todas as realidades são mônadas, com atividades internas. Umas são mônadas psicológicas, outras são mônadas cósmicas. A evolução de ambas as modalidades de mônadas é paralela. Entre os seres criados não ocorre reciprocidade de ação, mas apenas atividade imanente. Diferentemente, pois, de Descartes, que houvera concebido os corpos como mônadas ativas, ainda que apenas com atividade imanente.
 

611. Teodicéia. Ao escrever uma justificativa de Deus, deu-lhe Leibniz o nome de Teodicéia, a partir do termo grego diMT (= justiça, debate, decisão judicial). O termo passou a significar por extensão toda a teologia natural, isto é, a filosófica.

Retomou Leibniz a prova a priori da existência de Deus, que na Idade Média já houvera sido formulada por Anselmo e rejeitada já então por Tomás de Aquino. Depois de Leibniz não seria também admitida por Kant; este a denominaria prova ontológica.

O mundo criado por Deus é, segundo o otimismo de Leibniz, o melhor possível; quanto ao mal, ele não seria senão um destaque do bem, como a sombra em relação ao objeto.
 

612. Como cientista, Leibniz criou o cálculo infinitesimal, ao mesmo tempo que outros, como Newton, estavam ao seu encalço. Assim também buscava uma característica geral para o cálculo matemático.

Propôs a criação de uma língua universal, repetindo o que já haviam recomendado Descartes e Commenius, com vistas a alcançar um instrumento mais perfeito de expressão.

De alta capacidade de compreensão e espírito conciliador, o protestante Leibniz trabalhou no sentido de conciliar as igrejas cristãs.

Escreveu em latim, alemão, francês, em alguns casos em inglês, o que revela sua versatilidade. De outra parte, não era ainda, à época, o alemão, a língua significativa, que seria depois, exatamente por efeito do mesmo Leibniz e dos autores, que o seguiram. A importância de Leibniz se infere pela frequência com que é citado; foi ainda o fato de haver usado várias línguas, que fizeram ser acessível.
 


 
613. Obras. A maior parte dos escritos de Leibniz, autor sempre muito citado, foram ocasionais, não muito extensos, mas em grande quantidade, havendo sido reeditadas com frequência na forma de Obras completas, ou quase completas, no total cerca de 10 volumes. Os livros são geralmente breves, por vezes quase como artigos: Sobre o principio da individuação (De principio indevido), dissertação, 1663; Specimen quaestione philosophicarum ex jure collectarum), 1664; Dissertação sobre a arte combinatória... (Dissertatio de arte combinatoria... Praefixa est demonstratio existentiae Dei ad mathematicam certitudinem exacta, 1666); Confissão da natureza (Confessio naturae, 1668); um título paralelo Profissão de fé do filósofo (Confessio philosophi, redigido cerca do ano 1773); Nova hipótese física (Hypothesis physica nova, 1671), com inclusão do texto Theoria do movimento concreto (Theoria motus concreti); Meditações sobre o conhecimento, verdade e idéias (Meditationes de cognitione, veritate et ideis, 1684); Discurso sobre a metafísica (Discours de métaphysique, redigido em 1686, impresso em 1846), bastante conhecido; Novo sistema da natureza e da comunicação das substâncias, assim como da união que há entre a alma e o corpo (Système nouveau de la nature, 1695); Correção da filosofia primeira e noção de substância (De primae philosophiae emendatione et de notione substantiae, 1696), com reparos a Descartes; Sobre a origem dos radicais das coisas (De rerum originatione radicali, 1697);Considerações sobre a doutrina de um espírito universal (Consideration d'un esprit universel, 1697); Sobre a mesma natureza (De ipsa natura, 1698); Novos ensaios sobre o entendimento humano(Nouveaux essais sur l'entendement humain, redigido em 1704), contra ensaio de título similar, de Locke, o qual falecia naquele ano, e por o de Leibniz foi editado postumamente, apenas em 1765; Ensaio de Teodicéia sobre a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do mal (Essais de Theodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l'homme, et l'origine du mal, 1710), a pedido da rainha da Prússia; Monadologia (Monadologie, redigida provavelmente em 1714); Princípios da natureza da graça (Principes de la nature de la grâce fondés en raison, 1719). Artigos de revistas, cartas, livros de história.
 

614. Christian Wolff (1679-1754). Filósofo de expressão alemã, nascido em Breslau (hoje a polonesa Wroclaw), Silésia. Estudou na universidade de Iena. Lecionou na Universidade de Leipzig, a partir de 1703, matemática, filosofia e teologia. Passando à Universidade de Halle, lecionou de 1706 a 1723. Pressões dos teólogos protestantes mais ortodoxos conseguiram removê-lo, indo-se então para a Universidade de Marburgo. Com a ascensão do rei Frederico II foi restituído a Halle.

Destacou-se Wolff como didata e ordenador didático do pensamento, havendo contribuído também para o desenvolvimento da linguagem filosófica. Quanto à língua, usou inicialmente mais o alemão, depois preferencialmente o latim.
Eclético, reproduziu principalmente o pensamento de Leibniz, ao qual sobretudo ordenou e explicitou. Influenciou, juntamente com Leibniz, todas as universidades alemãs e mesmo do exterior. Na geração seguinte o substituirá Kant, este sobretudo nas universidades protestantes. Nas universidades católicas permaneceu por mais tempo a influência de Wolff; a escolástica se transformou assumindo o modelo wolffiano. Não obstante, quer no kantismo, quer na escolástica wolffiana, muitos elementos se eternizaram, sobretudo no concernente à terminologia.

Com referência ao ecletismo de Wolff, ela se dá dentro do contexto cartesiano e leibniziano, como já foi sugerido. As idéias gerais são verdadeiras, quando entre si coerentes. Admite a validade da metafísica.

Introduziu a divisão em metafísica geral (ontologia) e metafísica especial (cosmologia, psicologia, teodicéia). Contrariamente, a metafísica clássica não usou denominar metafísica especial ao estudo do ser particular da psicologia e da filosofia natural. Quanto à teodicéia, a metafísica clássica a considera parte da Ontologia, e não a reduz à metafísica especial. Não obstante difundiu-se entre muitos escolásticos a divisão de Wolff, enquanto outros a consideram inadequada, porque ela teria por objeto somente o ser geral. Apesar das facilidades da elasticidade da etimologia do termo, metafísica exclui expressamente a física.

Defendeu Wolff um deísmo racionalista; dali a oposição que lhe fizeram os teólogos ortodoxos.

No campo da ética, Wolff herdou o otimismo de Leibniz, e que é peculiar ao iluminismo em geral. Tão bem quanto a confiança na razão (capaz de garantir a metafísica), ocorre nele o otimismo da felicidade, da virtude, do progresso. Influenciou ainda ao direito, com a densidade do seus escritos sobre direito natural.

Obras (mais de 300 títulos): Pensamentos racionais sobre Deus, o mundo e a alma de todo o homem e todas as coisas em geral (Vernünftige Gedankenvon Gott, der Welt und der Seele des Menschen, auch allen Dingen überhaupt, 1720); Pensamentos racionais sobre a vida social do homem (Vernünftige Gedanken von dem gesellschaftilichen Leben der Menschen, 1721); Pensamentos racionais sobre a criação da natureza (Vernünftige Gedanken von der Wirkung der Natur, 1723); Filosofia racional ou lógica (Philosophia rationalis sive logica, 1728); Filosofia primeira, ou ontologia (Philosophia prima, sive ontologia,1729); Cosmologia geral (Cosmologia generalis, 1731); Psicologia racional (Psychologia rationalis, ....); Teologia naural (Theologia naturalis, 2 vols., 1736-1937); Filosofia prática universal (Phylosophia practica universalis, 2 vols., 1738-1739); Instituições de direito natural (Institutiones juris naturae, 1754); Direito natural (Jus naturae, 1740-1748); Direito das gentes, (Jus gentium, 1750); Filosofia moral, ou ética (Philosophia moralis, seu etica, 5 vols., 1750-1753); Economia (Oeconomica, 1750).
 

615.Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762). Filósofo e esteta alemão, nascido em Berlim. Estudou na Universidade de Halle. Em 1740 nomeado professor de filosofia da Universidade de Franfurt-sobre-o-Oder, onde permanece 22 anos, falecendo relativamente cedo. O primeiro curso de estética o ministrou em 1742 naquela universidade.
Enquadrou-se no esquema filosófico de Wolff, o ordenador didático do pensamento de Leibniz. Na divisão dos temas, inicia claramente pela gnosiologia, para depois derivar para a metafísica e física, por último para a ética.

Tratando do conhecimento, e apreciando o conhecimento sensível, o interpretou ainda ao modo de Descartes, como um estágio inferior, ao modo de idéia confusa. Neste plano da sensibilidade, como uma gnoseologia inferior (= gnosiologia inferior), tratou do que também denominou estética. Tem Baumgarten o mérito de haver tratado em separado o sentimento da apreciação da arte e do belo em geral, enquadrando-o embora como um conhecimento sensível. Criou o nome da disciplina Estética, através do adjetivo grego aos ITtKMoT, -I, -oO (= estético), através da construção habitual ciência esthetica), tudo a partir do substantivo aosITsKT (= sensação). Usa primeiramente o termo em obra de 1735, fazendo-o título de livro em 1750. Sobre a arte estabeleceu que ela resulta da atividade inteletual e também da sensitiva; por isso a noção do belo não é uma idéia simples e distinta, como pode acontecer com as idéias mentais, mas uma idéia confusa. Desde o século 18, isto é, desde A. Baumgarten, ganha espaço a concepção subjetiva do belo, como algo resultante da obra do homem, não sendo mais uma propriedade simplesmente objetiva das coisas. Para a ontologia tradicional, o belo é, pelo contrário, uma propriedade objetiva do ente, enquanto visto como perfeição.

Kant, que inicialmente é também um seguidor da filosofia de Wolff, utilizou livros de Baumgarten como texto de aula. Aproveitou entretanto o termo Estética, como denominação para o estudo gnosiológico da sensação e de suas formas apriorísticas de espaço e tempo, o que tudo denominou Estética transcendental.

Obras: Algumas questões referentes ao poema (Disputationes de nonnulis ad poema pertinentibus, 1735); Metafísica (Methaphysica), 1740); Ética filosófica (Ethica philosophica, 1740); Estética (Aesthetica, 2 vols., 1750-1758), obra que fez história; Inícios de filosofia prática (Initia phiosophiae practicae, 17..).
 

616. Ruggero Giuseppe Boscovich (1711-1787). Filósofo e cientista, de formação italiana, nascido Dubrovnik, Ragusa-Dalmácia. Ingresso na ordem dos jesuítas, Roma, 1726. Lecionou de 1740 a 1773 matemática e ciências naturais, sucessivamente em Roma, Pavia, Milão, Veneza. De trânsito na Inglaterra, tornou-se membro da Royal Society. Em Paris, de 1773 a 1783, foi diretor do serviço de ótica da Marinha.

Sob influência de Leibniz e Newton, formulou teorias atomistas dinamistas. Análogas ao monadismo , contém todavia muito de próprio, e que vieram destacá-lo como precursor de vários aspectos da teoria atômica moderna posterior a ele. O que estava em questão era a ação à distância. Neste sentido conjeturou átomos imateriais e pontos de força; diferenciando-se de Leibniz, estas unidades não dispõem de percepção psíquica, mas apenas são dotadas de força de atração e de repulsão.

Obras: Filosofia natural ... (Philosophia naturalis theoria redacta ad unicam legem virium in natura existentium, 1738, 1759, 1764), obra principal; Elementos de toda a matemática (Elementorum universae matheseos, 2 vols., 1757); Filosofia natural (Philosophia naturalis theoria, 1758); Obras referentes à ótica e à astronomia (Opera pertinentia ad opticam et astronomiam, 5 vols., 1785); cartas.

§2-o. Racionalismo fora da Europa, no séc. dezoito. 2216y617.


ART. 2-o. FILOSOFIA EMPIRISTA,
3-a fase, do 1-o período moderno, séc. dezoito. 2216y619.


619. Introdução ao empirismo do século das luzes. Enquanto os filósofos mais especificamente empiristas destacam a experiência e explicam ao seu modo as idéias e sensações, outras escolas e correntes de filosofia advertem para seus defeitos, tentando melhores caminhos. Locke e Hume colocam no fundamento as idéias e as sensações, enquanto os filósofos da escola escocesa, especialmente Reid, advertem que o fato fundamental do pensamento é o juízo (dito senso comum), ao passo que as idéias e sensações já seriam resultados de análise.

O pronunciado senso crítico da toda a época moderna levou a muitos a um notório senso de rejeição ao que antes mais facilmente se admitia. No plano meramente gnosiológico, a crítica conduziu ao ceticismo. No campo teológico, a crítica levou ao deísmo (Deus, sem os milagres e sem os ritos sacramentos) e aos que foram denominados livres pensadores.
 

620. Divisão. Ainda que a filosofia empirista seja em princípio distinta do racionalismo, acontecem muitas aproximações, as quais dificultam classificar os filósofos, sobretudo do século 18. Ao menos didaticamente admite-se estabelecer o seguinte quadro:

I - Ceticismo, idealismo, sensismo (Bayle, Berkeley, Hume).
II - Moralistas ingleses (Shastesbury, Hutcheson).
III - Escola escocesa (Reid).
IV - Livre-pensadores, deistas.
V - Newton e filosofia da natureza.
VI - Empiristas franceses, ou enciclopedistas.
VII - Empirismo fora da Europa.
Na base os empiristas e racionalistas cartesianos têm algo em comum, a interpretação fenomenista do conhecimento. Como um todo se distinguem do racionalismo escolástico, que pratica o realismo imediato. Similar ao realismo imediato dos escolásticos é a concepção que a escola escocesa tem do conhecimento. Os modernos, - empiristas e racionalistas cartesianos - interpretam todos decididamente o conhecimento, como atingindo num primeiro tempo só o fenômeno; passam a seguir a decidir sobre o mais, a saber, se do fenômeno se passa ou não passa à realidade. Neste fenomenismo se corre o risco de reduzir todo o conhecimento inicial à imagem, quando na verdade, desde o primeiro instante o pensamento é um juízo, de que a imagem conceptual é apenas uma parte. Sobretudo, quando isto acontece, o fenomeninos é uma tese fácil de ser estabelecida.

No campo dos empiristas, apresentam-se como fenomenistas Hume e Berkeley, ainda que, com uma índole muito diferenciada. Quanto à Bayle, um cético, mais ocupado em ver o lado inconsistente das opiniões, apresenta uma posição que uns interpretam como precursores de Hume, empirista; de outra parte, apresenta muito do contexto cartesiano.

A escola escocesa se caracteriza como filosofia empirista segundo Locke, o qual tem na experiência a fonte principal de conhecimento; mas, acrescenta a escola escocesa algo adicional, como a espontânea capacidade de produzir idéias universais, como do bem e do belo, a partir de onde cria uma ética e uma estética, superando os resultados do empirismo comum.

Com referência deismo e aos livre-pensadores, estas denominações objetivam coordenar um grupo de filósofos que à época eram com frequência empiristas, mas não necessariamente.

Um destaque especial se dá no decurso do século das luzes aos enciclopedistas franceses, os quais eram ordinariamente empiristas, mas também não necessariamente. Alguns deles são materialistas, mas no sentido de monistas (matéria elevada ao estado de ser vivo), e não simplesmente de mecanicistas.

I - Ceticismo, idealismo, sensismo. 2216y621.
 
 

621. Introdução. O subtil odor do moderno em filosofia está sempre na gnosiologia, e que consistia em reduzir a essencialidade do conhecimento ao fenômeno, para depois indagar sobre o que ficava atrás dele. A geração dos realistas imediatos, geralmente reduzida aos escolásticos, já se ia extinguindo, quando surgiu a Escola Escocesa de Thomas Reid (vd); retomou este o realismo imediato, advertindo que os elementos básicos do conhecimento não estão no que se mostra como idéia e sensação, mas no juízo.

Todavia, nem a escola escocesa surgiu cedo no contexto da filosofia do século 17, e nem conseguiu o domínio no quadro dos pensadores deste tempo. Continuam tendo amplo espaço o ceticismo, o idealismo acosmístico, o sensismo, por onde, pois, principia a história da filosofia do século dezoito.
 

622. Pierre Bayle (1647-1706). Filósofo francês, nascido em Carla, no condado de Foix, junto dos Pirineus. Filho de um pastor calvinista, ao estudar no colégio dos padres jesuítas de Toulouse, tornou-se católico, em 1669. Retornou já no ano seguinte ao calvinismo. Passando a ser perseguido, refugiou-se na Suíça, por 4 anos. Estudou então teologia e contactou a filosofia cartesiana. Voltou em 1675 para a França, para lecionar filosofia na Academia Ou Universidade) de Sedan. Supressa a referida Academia em 1681, Bayle optou por Rotterdam, Holanda. Manteve-se lecionando filosofia e história, escrevendo ao mesmo tempo para publicar. Em revide às publicações, as autoridades francesas prenderam seu irmão pastor, o qual, morreu por efeito dos maus tratos em novembro de 1685. Uma outra polêmica fez que também perdesse a função do ensino em 1693.

Mas, desde o ano anterior estava em andamento o projeto de um dicionário, o qual virá a ser impresso em 1696, e que desde logo lhe fez valer uma pensão por parte do editor. O sucesso de uma segunda edição em 1702 o deixou definitivamente consagrado. Nesta obra abandonou o espírito dogmático, para apresentar os temas de forma crítica. A influência deste dicionário participa como fator de passagem a uma nova fase da filosofia. A importância de Bayle se encontra na enorme influência que seus escritos tiveram, inclusive sobre os enciclopedistas, que, sob muitos aspectos, o imitaram. Em síntese, foi um cartesiano pessimista, e por isso inclinado ao fideísmo. Sempre tolerante, foi por isso intolerante com a intolerância da então igreja católica.

O pensamento de Bayle é crítico, notoriamente sensível às dificuldades de todas as posições definidas. Tem Bayle muito para ser classificado como um cético cartesiano, mas também muito para ser colocado como precursor do ceticismo de Hume, e ainda para ser arrolado ao grupo dos livre pensadores, ainda que tenha recusado o otimismo destes. Refutou a doutrina de Spinoza a respeito da criação. Defendeu o rigorismo moral, como meio do homem superar sua bestialidade. O absolutismo político é o único meio de garantir a ética social. Contudo apela a alguma tolerância no que se refere à liberdade de religião.

Com referência aos questionamentos teológicos, muito peculiares à parte da temática de Bayle, eles não especificamente filosóficos, senão na parte meramente epistemológica da argumentação. Neste campo, Bayle foi, como já se adiantou, similar aos livre-pensadores ingleses. Afiançou que todos os dogmas se equivalem nisto, que nenhum é solidamente fundamentado na razão. Declarou inúteis as disputas teológicas em que se envolviam calvinistas, jansenistas, molinistas sobre a graça e o livre arbítrio. Manteve-se Bayle apegado à crença de seus pais, querendo todavia que cada qual seja livre na escolha de sua fé.

Obras: Pensamentos diversos escritos a um doutor da Sorbona por ocasião do cometa que apareceu no mês de dezembro de l680 (Pensées diverses écrites a un docteur de Sorbona a l'occasion de la comète que parut au mois de décembre 1680), Rotterdam, 1683), para esclarecer que os cometas não constituem presságio de algum mal; Crítica geral a "História do Calvinismo" de Mr. Maimbourg (Critique générale de l'Histoire du calvinisme" de Mr. Maimbourg, 1682); Sistema de filosofia contendo a lógica e a metafísica (Systhème de philosphie contenant la logique et la métaphysique, 1785), em Berlim, por ordem do rei; Novelas da República das Letras (Nouvelles de la République des Lettres, 1684-1686); O que é a França toda católica sob o reino de Luis o Grande (Ce que c'est que la France toute catholique sous le rçgne de Louis le Grande, 1686); Comentário filosófico sobre estas palavras de Jesus Cristo: "obrigai-os a entrar"...(Commentaire philosophique sur ces paroles de Jésus-Christ: "Contrains-les d'entrer"..., 4 vols., 1686-1688); Aviso importante aos refugiados sobre seu próximo retorno a França (Avis important aux réfugiés sur leur prochain retour en France, 1690); Dicionário histórico e crítico (Dictionnaire historique et critique, 4 vols., Rotterdam, 1697); Respostas as questões de um provincial, 5 vols., 1704-1707); Entretenimentos de Máximo e de Temístio, ou resposta ao "Exame da teologia de M. Bayle", por Jaquelot (Entretiens de Maxime et de Thémiste, ou Réponse a l"Examen de la théologie de M. Bayle", par M. Jaquelot, 1707); Obras diversas de M. Pierre Bayle (Oeuvres diverses de M. Pierre Bayle, 4 vols, 1725-1727).
 

623. George Berkeley (1685-1753). Filósofo irlandês, nascido em Dysert, condado de Kilkernny. Realizou estudos no Trinity Collegge de Dublin, de 1700 a 7707. Continua, já como professor, na mesma Universidade de Dublin, até 1713, havendo lecionado grego, hebraico, teologia. Ordenado sacerdote da Igreja Anglicana em 1709, quando também inicia publicações sobre suas novas idéias. Passou no Continente, de 1713 a 1720, quando viajou pela Itália, Sicília e França. De volta, ataca a física de Newton. Deão de Derry, 1723. Com vistas à evangelização, partiu em 1728 para a América, onde esteve em Rhode Island, projetando um colégio, que não conseguiu levar a efeito. De volta, 3 anos depois, foi em 1732 empossado Bispo anglicano de Cloyne, em que a maioria era católica.

Partiu de uma teoria do conhecimento fenomenista, similar à de Descartes, segundo a qual se conhece primeiramente a idéia e depois a causa da idéia. Ora, advertiu Berkeley, se começamos conhecendo semente as idéias, apenas as idéias existem, e não o mundo que elas apresentam. Os corpos somente existem como percepção pura, não existem em si. "Ser é, ou perceber, ou ser percebido" (Esse est aut percipere, aut percipi). Deus é a origem das nossas idéias. Dali resultou um idealismo acosmístico, no qual o mundo que se nos apresenta não existe como real, independente de nosso espírito. Em decorrência também combate o materialismo, que na Inglaterra fora propugnado por Hobbes. Opõe-se igualmente aos livre-pensadores (Toland, Collins, Tindall), propugnadores então do deísmo. Seus últimos escritos revelam uma forte influência neoplatônica, sobretudo de Plotino e Proclus.

Obras: Um ensaio para uma nova teoria da visão (An essay towards a new theory of vision, 1709; Tratado sobre os princípios do conhecimento (Treatise concerning the principles of human knowledge, 1710), importante; Três diálogos entre Hylas and Philonous, 1713); Alciphron, ou o filósofo das minúcias (Alciphron, or the minute philosopher, 2 vols., 1732); A teoria da visão, vindicada e explanada (The theory of vision vindicate an Explained, 1733); O analista (The analyst, 1734); Siris, ... reflexões filosóficas e investigações (Siris, a chane of philosophical reflexions and inquires concerning the virtues of Tar-water, 1744).
 

624. David Hume (1711-1777). Filósofo escocês, nascido em Edinburgh, capital da Escócia, em família da pequena nobreza. Estudou na Universidade de Edinburgh, direito e história, inclinando-se logo para a filosofia e a literatura. Inicialmente se dedicou ao comércio em Bristol, sem resultado satisfatório. Em 1734 encetou uma viagem pela França, fixando-se a maior parte do tempo em La Flèche, havendo ali estudado a filosofia de Descartes, ao mesmo tempo que escrevia seu Tratado da natureza humana. De volta a Londres em 1637, trata da edição deste e logo de outros seus livros. Sem sucesso imediato, foi progredindo na aceitação do público. Em 1645 candidatou-se a uma cátedra na Universidade de Edinburgh, mas foi barrado por uma forte campanha panfletária dos conservadores, em vista de suas inovações doutrinárias. Exerceu a função de preceptor de um jovem marquês. Depois seguiu, como secretário de uma missão diplomática, a Turim e Viena. Em 1751 tentou de novo uma cátedra, desta vez de lógica na Universidade de Glasgow, sendo mais uma vez frustrado pelos conservadores. Eleito zelador da biblioteca da Ordem dos Advogados de Edinburgh, exerceu a função de 1755 a 1757. Publicando agora duas histórias da Inglaterra, em 1759 e 1761, as quais foram bem aceitas pelo público, o fato aumentou também o interesse para suas idéias filosóficas.

Passou os anos de 1763 a 1765 em Paris, como secretário da embaixada inglesa, o que lhe valeu participar das altas rodas inteletuais da capital francesa. Os últimos anos os passou em Edinburgh, onde também se encontrava a propriedade da família

Do ponto de vista filosófico Hume é um empirista, na forma radicalizada do fenomenismo sensista. Sem ser a rigor um cartesiano, levou a concepção de Descartes às últimas consequências, mas beirando para o lado do empirismo. Segundo Hume, o que efetivamente se conhece é apenas o mesmo fenômeno; enquanto para Descartes há uma causa atrás do fenômeno (realismo mediato), para Hume não há como provar mais que o fenômeno; além disto, para Descartes havia idéias internas (racionalismo), para Hume só há o empírico (empirismo). Não ultrapassando Hume aos fenômenos, ficou sendo um fenomenista.

Negou ainda a especificidade do pensamento, que não passaria de uma graduação da sensibilidade. Ao reduzir os fenômenos ao plano meramente sensível, interpretou o pensamento como não sendo mais que sensações mais subtis e apagadas. Eis o conceptualismo reduzido a um mero sensismo.

Os fatos se sucedem, sem que saibamos que uns sejam causados pelos outros; na verdade isto cohere com o seu sensismo, porquanto, depois de tudo reduzido à sensação, esta não percebe senão as relações de sucessão entre causa e efeito. Além de negar o princípio de causalidade, também estabeleceu que não conhecemos a substância sob os fenômenos; de novo está coerente com o seu ponto de partida. Assim, sob o eu não sabemos se existe uma alma. Se depois Kant, cedendo as argumentações do fenomenismo de Hume, mantém contudo a especificidade dos conceitos e seu caráter absoluto, o faz por um novo caminho, qual seja o de admitir formas a priori (vd). Rejeitando Kant igualmente a validade real da metafísica tradicional, por que as formas a priori apenas conduzem a idéias, tentará um novo caminho através do estabelecimento dos postulados da razão prática.

O resultado geral da gnosiologia de Hume é o ceticismo. Os fenômenos a que se reduz o conhecimento são subjetivos, com uma certa ordem cujo fundamento não conhecemos. Restamos subordinados a uma certa ordem revelada pelas repetições constantes, sem que aquela ordem seja definitiva ou absoluta.

Estabeleceu Hume uma nova moral, distinta da moral absoluta, que considerou impossível estabelecer. Não é pelo entendimento que se estabelece a moral; ela decorre do domínio dos gostos, ou sentimentos. Em virtude de uma certa identidade entre os homens, a moral acaba por ser uma generalização, todavia jamais absoluta.

Do mesmo modo não se provam os milagres e a religião sobrenatural, porquanto seu fundamento metafísico se pulverizou. Em política Hume foi um conservador liberalizante.

Obras: Tratado da natureza humana (Treatise on human nature, 1-o e 2-o livros, 1739, 3-o livro, 1740), fundamenta no pensamento de Hume; Ensaios morais e políticos (Essays moral and political, 2 vols., 1741-1742); Sobre milagres (Of miracles, 1748); Sobre a Providência e um futuro Estado (Of a Providence and a future State, 1748); Ensaios filosóficos sobre o entendimento humano (Philosophical essays concerning human understanding, 1748), também fundamental; Um ensaio sobre os princípios da moral (An inquiry concerning the principles of morals, 1751); Discursos políticos (Political discourses, 1752); Quatro dissertações (Four dissertations, 1757), com retomada de alguns textos anteriores; História da Inglaterra sob a casa dos Tudor (History of England under de the of Tudor, 1759); História da Inglaterra desde a invasão de Júlio Cesar à ascensão de Henrique VII (History of England from the invasion of Julius Caesar to the accesion of Henry VII, 1761); Ensaio sobre o suicídio e imortalidade da alma (Essays on suicide and the immortality of the soul, 1777); Diálogo sobre a religião natural (Dialogues on natural religion, 1779), póstumo, escrito em 1752.

II - Moralistas ingleses. Economistas. 2216y625.


 

625. As inovações gnosiológicas do empirismos haviam abalado bastante os fundamentos da moral, principalmente o caráter absoluto que se lhe atribuía. Continuaram os empiristas a oferecer a moral, ainda que relativizada, como se observa especialmente em Hume. Os assim chamados moralistas ingleses são aqueles que, dentro de um contexto de influência empirista, tentaram manter um nível mais definido de moral, sem contudo pleitear uma posição mais diferenciada, como acontece com a Escola Escocesa.

Quais os nomes mais típicos, para serem denominados moralistas ingleses? Há aqueles que estão mais para a esquerda, para o lado de Hume, como o utilitarista Jeremy Bentham (vd). E há os do outro lado, pendem para a escola escocesa, como Shastesbury (vd), Hutcheson (vd).

Ocorrem também os moralistas, aqueles que ao mesmo tempo trataram da economia, como Bernard de Mandeville, Adam Smith, e que se tornaram conhecidos portanto ainda como moralistas economistas.

Os assim denominados moralistas ingleses penetram no século seguinte, para o qual levam o contexto de todo um grupo: o já citado Jeremy Bentham (1748-1832), James Mill (1773-1836), emendando portanto com o empirismo e positivismo do século 19. Pertence todavia Jeremy Bentham de pleno direito ainda ao século 18, que conheceu sua ação e suas primeiras obras, havendo sido um pensador relativamente longevo.
 

626. Bernard de Mandeville (1670-1733). Filósofo holandês, de expressão inglesa, nascido em Dordrecht. Estudou medicina e filosofia em Rotterdam e Leyden. Diplomado em 1691, transferiu-se para Londres. Dedicou-se mais aos estudos e a escrever, do que à medicina. Empirista, ou positivista como se dirá depois, nesta condição fundamentou a moral nas tendências do homem, e não sobre um raciocínio filosófico-metafísico. Também não fundamentou a sociedade, seu progresso ou declínio nos princípios gerais morais de valor absoluto, mas em fatores, experimentalmente detectados, dos interesses e similares. As doutrinas modernas, como o mercantilismo de Keynes e o socialismo de Marx, reclamam nele um precursor, o qual, por sua vez, não deixou de se de se haver inspirado em outros, notadamente em Hobbes, ao qual contudo também contrariou em alguns aspectos. De acordo com Hobbes, defendeu que os homens obram seguindo basicamente seus interesses individuais; contestou-o no seu pessimismo. Também contestou a Shaftesbury e a Hutcheson, quando estes fundavam a vida social como efeito da simpatia; o social resulta na busca dos benefícios particulares, os quais ao mesmo tempo são também benefícios públicos, conforme ilustrou na sua fábula das abelhas, que se tornou famosa.

Obras: A caridade .... (The Planter's charity, 1704); The grumbling hive, or knaves turn' honest, 1905, anônimo, e assim de novo na republicação sob o título A fábula das abelhas; ou vícios privados, benefícios públicos (Fable of the bees, or private vices, publics benefits, 1714), poema anônimo, sátira política sobre o Estado inglês, quando os tories acusavam a um Ministro de querer a guerra com a França por razões pessoais; ainda reedição em 1923, com mais outros textos; Tratado das paixões do hipocondríaco e histérico (A treatise of the hypochondriac and hysteric pasions, 1711); Pensamentos livres sobre religião, Igreja e felicidade nacional (Free thougst on religion, the Church, and national happiness, 1720); Carta a Dion, ocasionada por causa de seu livro chamado Alciphron (Letter to Dion, occasioned by his book called Alciphron, 1720), contra Berkeley; Uma pesquisa sobre a origem da honra e a utilidade do cristianismo na guerra (An inquiry in the origin of honour, and the usefullness of the christianity in war, 1732).
 

627. Adam Smith (1723-1790). Filósofo e economista escocês, nascido em Kirkcaldy, Fifeschire. Estudou em Glagow, onde teve por mestre Hutcheson, do contexto da escola escocesa, em Oxford. Em 1751, professor de lógica em Glasgow. No ano seguinte passou à cátedra de moral. Uma década depois o magistério da universidade, para acompanhar como preceptor ao jovem Duque de Buccleugh na viagem de um ano e meio à França e Suíça. Foi quando conheceu ao fisiocrata Quesnay. Cerca de dez anos permaneceu em Kirkcaldy, onde escreveu intensamente. Inspetor de alfândega a partir de 1778 e reitor da Universidade de Glasgow desde 1787.

Influenciado pelo empirismo moral de Hume, apoiou-se na experiência para estabelecer uma ética. Admitiu a simpatia como critério de moralidade. Entendia por simpatia a comunicação à nossa alma das emoções de outrem. Agimos bem quando o que fazemos merece a simpatia a mais universal possível.
Admitindo a liberdade, formulou o liberalismo político e econômico. Admitiu haver leis naturais regendo a economia. O melhor meio de um Estado desenvolver a economia é deixá-la desenvolver-se livremente de acordo com suas leis naturais, com um mínimo de fiscalidade e interferência. Do ponto de vista da economia, diz-se que Adam Smith forma a escola clássica, juntamente com os que viriam depois dele: Thomas Robert Malthus (1766-1834), David Ricardo (1772-1823), John Stuart Mill (1806-1873).

Desenvolveu uma teoria econômica, enfatizando o trabalho, ou seja o lado social como fato central dos valores de produção. Desviou-se dos mercantilistas, fundados na circulação das riquezas, e dos fisiocratas, para enfatizar a produção de um setor, notadamente o da agricultura. A riqueza das nações se encontra na sua capacidade de trabalho. Este deve ser livre e eficaz. Aumenta a eficácia com a divisão do trabalho.

Obras: Teoria dos sentimentos morais (Theory of moral sentiments, 1759); Investigação sobre a natureza das causas da riqueza das nações (Inquiry sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (Inquiry into the nature and causes as the wealth of nations, 1776), obra principal, usualmente citada simplesmente por Wealth of nations.
 

628. Jeremy Bentham (1748-1832). Pensador, jurisconsulto e economista inglês, nascido em Londres. De família rica, teve fácil acesso à educação e à influência. Estudou direito em Oxford, concentrando sua preferência à ética e ao direito. Logo abandonou a prática da advocacia, dedicando-se à filosofia e à critica das instituições, contando para isso um bom conhecimento das línguas grega e latina.

É considerado um dos últimos representantes da Escola Moralista Inglesa. Defendeu a moral utilitarista, em que a utilidade do indivíduo e da sociedade são o fundamento da norma moral. A utilidade dos objetos é definida pela sua capacidade de produzir prazer e de evitar a dor, ou o infortúnio. A sociedade ideal é a que permite a felicidade do indivíduos sem comprometer o bem estar coletivo. Estes princípios de Bentham inspiraram a política liberal inglesa do século 19, que abandonou a economia ao deixai fazer (laissez-faire). Não há direito natural. Suas idéias têm continuidade em James Mill e Stuart Mill.

Obras: Um fragmento sobre o governo (A fragment of government, 1776), uma crítica ao anti-reformismo de W. Blackstone; Um ponto de vista sobre a lei do trabalho pesado (A view of the hard labor bill, 1778); Defesa da usura (Defense of usury, 1787); Uma introdução aos princípios da moral e da legislação (An introduction to the principles of moral and legislation, 1789), tratado principal; Ensaio sobre a tática política (Essay on political tactics, 1791); Plano de reforma parlamentar, em forma de catecismo (Plan of parliementary reform, in the form of a catechism, 1817); O livro de falácias (The book of fallacies, 1824); A lógica da recompensa (The rationale of reward, 1825); A lógica da evidência judicial (Rationale of judicial evidence, 1827); Código constitucional (onstitucional code, 1830); Lógica da punição (The rationale of punishment, 1830); Deontologia ou a ciência da moral (Deontology or the science of morality, 1834, póstumo, importante para estabelecimento dos conceitos filosóficos de base do utilitarismo de Bentham.
 

III - Escola escocesa. 2216y630.
 
 

630. Surgiu a Escola escocesa de filosofia como advertência às limitações da teria das idéias de John Locke e de David Hume. Depois da advertência de que as idéias não se podem reduzir àqueles dados elementares simples, tenta mostrar que algo mais acontece, do que simples empirismo. Na Inglaterra são precursores desta nova maneira de pensar Shaftesbury, Hutcheson. O principal representante é Thomas Reid. Os nomes de outros representantes são numerosos (vd n 637).

Considere-se que as doutrinas da Escola Escocesa não são historicamente isoladas. Os platônicos de Cambridge têm sua continuidade, em parte, na Escolas escocesa. E assim também outros já haviam tido tais maneiras de ver. No futuro, outros as terão de novo, por exemplo, Jacobi (vd).
 

631. Shaftesbury. Anthony Ashley Cooper, third earl of ... (terceiro conde de...) (1671-1713). Filósofo inglês, nascido em Exeter House, Londres. Teve a John Locke, como preceptor. Estudou no Winchester College, 1683-1686). Depois viajou pela França, Itália, Áustria, Alemanha. Eleito em 1695 para a Câmara dos Comuns, representando o Partido Whig. Resignou ao Parlamento em 1698, alegando motivo de saúde. Segue então para a Holanda, ali fazendo amizade com o filósofo Bayle. Falecido seu pai em 1699, assumiu o condado de Shaftesbury, ingressando consequentemente para a Câmara dos Lordes. As limitações de sua frágil saúde o verteram para a filosofia e as artes, passando a escrever mais intensamente. Em busca de aliviar a asma de que sofria, transferiu-se para Nápoles, onde prematuramente veio a falecer. O pensamento de Shastesbury se desenvolveu sob influência platônico-estóica, em decorrência certamente dos estudos clássicos que desde cedo realizara, bem como por influência dos platônicos de Cambridge (vd n 578). Geograficamente distante da Escócia, o seu pensamento como que dá início ao que lá passaram a desenvolver Hutschson e Thomas Reid.

Foi Shaftesbury um dos mais destacados representantes da moral do sentimento. Foi sempre um otimista metafísico, tal como acontecia com o seu contemporâneo Leibniz, do Continente. Entretanto, como Bayle, se revelou cético frente às religiões sobrenaturalistas, limitando-se à religião racional do deismo.

Obras. Escreveu dispersivamente, sob os títulos seguintes: Investigação sobre a virtude e o mérito (Inquiry concerning virtue and merit, 1699); O entusiasmo social (The socialle entusiasm, 1605); Uma carta sobre o entusiasmo (A letter on enthusiasme, 1708); Moralistas, uma rapsódia filosófica (Moralists, a philosophical rhapsody, 1709, reedição do livro de 1605; Sensus communis, ou um ensaio sobre a paz do espírito e humor (Sensus communis, or an essay on the freedom of wit and humour, 1709; Solilóqio, ou conselho para um autor (Soliloquy or advice to and author, 1710; Miscelânea de reflexões ( Miscelanous refdlections, 1710); Características do homem, maneira, opiniões, tempos (Characteristics of men, manners, opinions, Times, 1711, que reúne o ensaio anterior, e outros.
 

632. Francis Hutcheson (1694-1747). Filósofo inglês, de origem escocesa, nascido em Drumalig, Irlanda do Norte. Filho de um pastor presbiteriano, interessou-se pela teologia. Fez estudos na Universidade escocesa de Glasgow de 1710 a 1716. Por algum tempo dirigiu uma Academia por ele fundada em Dublin, capital da Irlanda. Em 1729 retornou a Universidade de Glasgow, para lecionar filosofia moral, ali permanecendo até o falecimento, que se deu prematuramente.

Reagindo ao empirismo de Locke e estabelecendo mais outro caminho para o conhecimento, Hutcheson está a caminho da Escola Escocesa, para a qual Thomas Reid daria a formulação definitiva. Há os que consideram a Hutcheson simplesmente o fundador da referida escola.

A fonte comum do conhecimento é a experiência; neste plano Hutcheson segue simplesmente o empirismo moderado de John Locke. Mas, - e nisto está a novidade da escola escocesa, - teria o homem ainda algumas idéias peculiares, que acompanham a sensação, como as idéias do bem, do belo. Tais idéias não são inatas; nem resultam da experiência; elas surgem como uma disposição especial da alma; são imediatas, universais, desinteressadas. Elas resultam de uma faculdade moral, cujo objeto seria a bondade moral. Por este caminho tratou Hutcheson a moral.

Obras: Uma investigação do original de nossas idéias de beleza e virtude (An inquiry into the original of our ideas of beauty and virtue, 1725); Um ensaio sobre a natureza e a conduta das paixões e afecções ... (An essay on the nature and conduct of the passions and affections with illustrations upon the moral sense, 1728); Da sociabilidade natural do homem (De naturali homini socialitate, 1730); Instituições de filosofia moral (Philosophia moralis institutio compendiaria, 1742); Sistema de filosofia moral (System of moral philosophy, 2 vols., 1755); Sinopse metafísica (Metaphysicae synopsis. Ontologiam et pneumatologiam complectens, 1742); Compêndio de lógica (Logicae compendium,1756).
 

633.Thomas Reid (1710-1796). Filósofo escocês, n. em Stracham, Kinkardineshire. Filho de pastor presbiteriano, foi estudar teologia em Aberdeen. 15 anos pastor na redondeza. Professor de filosofia no Kings College de Aberdeen, 1952-1764. Professor de filosofia moral na Universidade de Glasgow, 1764-1780, até aos seus 70 anos.

Reagiu ao cetismo dos últimos empiristas, especialmente ao de Hume (+1776). Em Aberdeen havia criado uma "Sociedade Filosófica", que foi ponto de partida do movimento e que veio a ser denominado Escola Escocesa, e também Escola do Senso Comum. Advertiu Reid que o fato fundamental do pensamento é o juízo, e não apenas a idéia, e nem qualquer outra percepção sensível. Contestou, portanto, a "teoria das idéias", seja de Locke, seja como tenha vindo a ser em Hume, que falava de "impressões". Estes dados não são elementares, mas já fruto de análise, e não podem servir de ponto de partida; mas os fenomenistas, uma vez assim encaminhando erradamente o assunto, passam logo a estabelecer o fenomenismo e outras limitações; afastada esta maneira de colocar o problema, retém-se o fenomenismo. Para Thomas Reid o realismo da intencionalidade do conhecimento é imediato.

Com referência aos juízos, os quais formam a estrutura originária do pensamento, são denominados senso comum da humanidade. O contrário é absurdo. Consiste o senso comum na concepção distinta das coisas. O que os sentidos apresentam distintamente surge como verdadeiro. O mesmo, no plano mental, é tomado por verdadeiro. Nós conhecemos distintamente o que conhecemos, que somos nós que conhecemos distintamente as coisas conhecidas e que estas se apresentam como causas do nosso conhecimento. Passando Reid ao ordenamento dos juízos do senso comum, distingue Reid entre verdades necessárias e verdades contingentes, e por ai segue desenvolvendo toda uma filosofia. Assim restabelece não somente a verdade do conhecimento do mundo, como ainda de nossa alma, de suas faculdades, bem como ainda de um dever moral, enfim também a existência de Deus.

Quer ainda Reid que o senso comum seja inspirado por Deus. Há nisto algo de similar ao iluminismo agostiniano.

Obras: Uma investigação da mente humana sobre os princípios do senso comum (An inquiry into the human mind on the principles of common sense, 1764), obra principal; Faculdades inteletuais do homem (Intellectual powers of man, 1785); Faculdades ativas da mente humana (Active powers of the human mind, 1788), sobre moral. Título comum às duas últimas obras citadas: Ensaios sobre as faculdades da mente humana (Essays on the powers of the human mind), também importante. Publicação especial: Discursos filosóficos de Thomas Reid (Philosophical orations of Thomas Reid, 1937).

634. Outros nomes. Atuaram no círculo da escola escocesa de Reid vários filósofos do século 18, alguns já adentrando o século seguinte: Joseph Buttler (1692-1752), bispo de Durham; Adam Ferguson (1729-1797), moralista também sociólogo, escocês; Henry Home (1696-1782), também esteta, escocês; Edmund Burke (1729-1797), igualmente esteta, nascido em Dublin; James Beattie (1735-1803), poeta e professor de filosofia; Dugald Stewart (1753-1828), Thomas Brown (1778-1820), James Mackintosh (1765-1832), William Hamilton (1788-1856). Este último procedeu já uma tentativa de conciliação das doutrinas da escola escocesa com o criticismo de Kant.

Na França, Claude Buffier (1661-1737), que Thomas Reid dizia ser seu precursor.

IV - Livre-pensadores. Deismo. 2216y635.
 
 

635. Difundiu-se o uso do nome deismo a partir do final do século 17, quando os escritores e filósofos tinham razões para temerem ser acusados de ateísmo; na verdade pretendiam limitar-se a negar o sobrenaturalismo com que se revestiam as igrejas e seus livros sagrados. Também se chamavam livre-pensadores, sendo que alguns efetivamente eram materialistas monistas.
 

636. O pai remoto do deismo foi Herbert of Cherbury (Eduard, first Lord of...) (1583-1648). Filósofo, diplomata, e historiador inglês, nascido em Eyton-on Severn, Shropshire, perto de Wroxeter. Estudou em Oxford. Embaixador na França de 1619 a 1621. Primeiro Lord de Cherbury, em 1629.

A linha geral dos conceitos metafísicos de Herbert de Cherbury se mantém próxima ao aristotelismo, e assim também a concepção sobre as faculdades de conhecimento do homem. Todavia, ss idéias fundamentais da religião as apresenta como sendo fundadas no consenso universal: existência de Deus, a obrigação do culto, a virtude e a piedade como essenciais ao culto, o arrependido do mal cometido, a noção de recompensa e penas na vida futura.
Considerando insuficientemente fundadas as religiões sobrenaturalistas, fixou-se em uma religião de fundamento meramente filosófico. Foi chamado o pai do deismo inglês, que se difundirá amplamente durante o século das luzes.

Obras: Tratado sobre a verdade para distingui-la da revelação, do verossímil, do possível, do falso (De veritate, prout distinguitur a revelatione, a verossimili, a possibili et a falso, 1624), citada simplesmente Da verdade (De veritate), livro publicado primeiramente em Paris, depois também em Londres, 1633; Das causas dos erros (De causis errorum, 1645); Da religião dos povos (De religione gentilium, 1663, em Amsterdam), versão inglesa em 1709, obra póstuma e que completa suas idéias sobre religião; Vida de Henrique VIII (The life of Henry VIII, 1664).
 


637. A maioria dos aderentes deistas ingleses são de origem empirista, alinhados embora como frágeis seguidores do espiritual. São, entre outros, Mathew Tindal (c. 1656-1733), John Toland (1670-1722), este o mais significativo, Thomas Woolstan (1669-1731), Antony Collins (1676-1729), David Hartley (1705-1757), John Priestley (1733-1804).
 

 

638. Matthew Tindal (c. 1656-1733). Filósofo inglês, nascido em Beer-Ferrers, Devonshire. Estudou em Oxford. Ali foi Fellow do All Souls College. Anglicano, convertido embora a Igreja Católica em 1685, voltou três anos depois à crença anterior.

Defendeu o deísmo e o livre pensamento em geral, neste sentido polemizando quer contra católicos, quer contra as chefias anglicanas. Alegou o caráter racional das leis divinas, devendo o conteúdo da religião ser antes de tudo ético, em vez de dogmático, ou teológico. Por este caminho as diferentes formas de cristianismo tinham como chegar a acordar entre si. Não sendo tão severo quanto Toland, foi contudo também criticado duramente pelas instâncias religiosas oficiais das diferentes confissões religiosas cristãs.
 

 
639. John Toland (1670-1722). Filósofo e teólogo, filólogo e político da Irlanda irlandês, nascido em Redcastle, da Irlanda do Norte. De família católica, passou cedo ao para o presbiterianismo. Fez estudos filosóficos e teológicos nas universidades de Glasgow, Edimburgo, concluindo na de Leiden, Holanda.

Esteve em Oxford, de 1692 a 1696, quando publica seus principais escritos, que o envolvem imediatamente em polêmicas. Seu livro mais famoso Christianity not mysterious (1596) foi mandado queimar pelo Parlamento irlandês (1697) e colocada fora da lei na Inglaterra. Seguiu em 1696 para Londres. Em 1701 transitou por Hanover (Alemanha), como secretário da embaixada inglesa. Contactou Leibniz, com quem manteve correspondência, e também a rainha Carlota, da Prússia, a quem dedicou Letters to Serena. Finalmente, retornou à Inglaterra, onde faleceu em Putney.

Defendeu uma religião natural, sem sobrenaturalismos. Nesta condição foi um dos mais representativos deístas, e o primeiro a ser chamado livre pensador. Negou a autenticidade da revelação, aquela apresentada pelos Evangelhos.
Derivou para novas considerações, de feição panteísta, quando interpretou o mundo material com movimento a partir de si mesmo, sendo pois ele mesmo Deus; dispensava portanto um outro Deus.
 

640. Anthony Collins (1676-1729). Filósofo deísta inglês, nascido em Honslow, nas proximidades de Londres.

Seguiu o empirismo de Locke, acentuando-o. O pensamento se configura como continuação da ação da matéria sobre os nossos sentidos. Em consequência é também uma propriedade da matéria.

Destacou-se Collins sobretudo como defensor, juntamente com John Toland, e que já vinha de Herbert de Cherbury. Neste plano Collins teve de polemizar, por causa das reações de George Berkeley (vd) e Samuel Clarke (vd). No seu entender somente podemos conservar do cristianismo o que for racionalmente certo. Supõe que a Bíblia contém erros, inclusive superstições e fraudes. Eliminado da Bíblia o que ela contém de tais vícios, restam sobretudo verdades morais, e estas apresentam aspecto universal. O conhecimento deve fundar-se em provas, o que não acontece com o cristianismo sobrenaturalista. Advertiu contra a alegação de que as verdades reveladas são mistérios impenetráveis à razão; tais assertivas resultariam da credulidade infundada e do medo da verdade. Define ao livre pensamento como um pensamento não atemorizado pela autoridade, nem dominado pela superstição e falso entusiasmo. Os livre pensadores são os verdadeiros sábios; neste sentido citou Sócrates e Platão, Epicuro e Sêneca, - da antiguidade, - Bacon, Herbert de Cherbury, Locke, - dos tempos modernos.

Agimos com probabilidades somente onde urge agir.

Obras, várias publicadas em seu tempo anonimamente: Um ensaio concernente ao uso da razão nas proposições, a evidência dependente do testemunho humano (An essay concerning the use of reason in propositions, the evidence wherof depends upon human testimony, 1707); Um discurso de livre pensador, acontecido por causa do surgimento e crescimento de uma seita chamada dos livre-pensadores (A discourse of freethinking, occasion'd by the rise and growth of a sect call'd Freethinkers, 1713), sobre o direito de todo o homem pensar qualquer assunto; Uma inquisição filosófica sobre a liberdade humana (A philosophical inquiry concerning human liberty, 1715); Um discurso sobre os fundamentos e razões da religião cristã (A discourse of the grounds and reasons of the christian religion, 1724); O esquema de uma profecia considerada literalmente (The scheme of the literal prophecy considered, 1725); Um discurso sobre o ridículo e a irono no escrever (A discourse concerning ridicule and Irony in writing, 1727); Dissertação sobre a liberdade e necessidade (Dissertation on liberty and necessity, 1729).

V - Newton e filosofia da natureza. 2216y641.

641. Isaac Newton (1642-1727). Físico, astrônomo, matemático inglês, eventualmente também, filósofo, nascido em Woolsthorpe, condado de Lincolnshire. Em 1665 concluía estudos no Trinity College de Cambridge, onde já iam avançados os estudos de ciência experimental. Participa em 1667 da Congregação do Trinity College, onde exatamente estudara. Assume em 1669 a cátedra de matemática. Eleito em 1672 para a Royal Society (Sociedade Real), veio a presidi-la também, de 1703 ao resto de sua vida. Foi ainda político, havendo representado a Universidade de Cambridge no Parlamento duas vezes, em 1689-1690, e em 1701. Ainda Inspetor da Casa da Moeda, a partir de 1796, e seu Diretor em 1699.

Mais um físico, do que um filósofo, influenciou a filosofia da natureza, como por exemplo de Samuel Clarke (vd n 642) e mesmo os conceitos de Kant. Afastou de maneira geral o mecanicismo de Descartes.

Como físico determinou a lei da gravitação universal, a teoria corpuscular da luz, a decomposição da luz solar no espectro (análise espectral), os anéis coloridos das lâminas delgadas. Mantendo-se na teoria corpuscular da matéria, por sua vez situada num espaço real e absoluto (independente do corpo), concebeu ainda a este espaço real e absoluto, ainda como infinito e eterno, como condição para o movimento dos astros. Portanto, não concebeu o espaço ao modo de Aristóteles, que o fez determinação dos seres corpóreos; nem como Descartes, que fez dele a essência mesma dos corpos.

A inovação de Newton foi o desenvolvimento da noção de gravidade. Diferentemente, o mecanicismo de Descartes explicava o movimento como tendo em Deus um motor inicial, e a variação dos movimentos como alterações decorrentes dos choques. Newton, ao introduzir a noção de gravidade universal, fez deste fenômeno energético a explicação dos movimentos e suas variações, cujos efeitos eram previsíveis pelo cálculo infinitesimal. A matéria atrai a matéria na razão direta das massas e inversa do quadrado das distâncias.

Complementando o cálculo integral e o cálculo diferencial, descobriu ainda Newton o cálculo infinitesimal, o que naquele tempo também conseguia Leibniz,
Por cima dos fatos admitidos pela física de Newton, construiu também ele mesmo uma filosofia da natureza, a qual influenciou filósofos do seu tempo. Ponderou que a ordem do universo, com seus astros maravilhosamente distribuídos, não poderia ser um acaso. Deus é a razão suficiente, criadora e ordenadora de tudo. O espaço infinito e eterno está em relação direta com a onipresença divina. Dali para o monismo panteísta faltava um passo, que Newton entretanto não deu. Berkeley contrapropôs um espaço relativo, alegando que o espaço infinito real iria coincidir com Deus. E o que seria a mesma força da gravidade? Leibniz ponderou que Newton não deixara claro, se a ela era um mecanismo desconhecido, ou se era uma qualidade oculta dos próprios corpos.

Obras, entre outras: Princípios matemáticos da filosofia natural (Philosophiae naturalis principia mathematica, 1686-1687), obra fundamental, sobre a gravitação universal e as leis do movimento mecânico.; Ótica, ou um tratado sobre a reflexão, refração e cores da luz (Optics, or a treatise on the reflections and colours of light, 1714, sobre a natureza corpuscular da luz; Aritmética universal ou sobre a composição e a resolução aritméticas (Arithmetica universalis, sive de compositione, sive de compositione et resolutione arithmetica, 1707); Lições de ótica (Letiones opticae, 1729).
 

642. Samuel Clarke (1675-1729). Filósofo e teólogo inglês, nascido em Norwich. Estudou em Cambridge matemática e filosofia, depois também teologia. Clérigo anglicano. Em 1706 capelão da rainha Ana. Notabilizou-se a partir de suas conferências Boyle's Lectures 1704 e de 1705 sobre a existência de Deus, sua natureza e sobre a religião. A partir de 1709 ao fim da vida foi reitor de Westminster. Correspondeu-se com Leibniz.

Defendeu o alcance de princípios absolutos, e outros princípios gerais, contra, materialistas, empiristas, deistas, livres pensadores. Deus é transcendente. Ocorre a liberdade e a consequente responsabilidade moral. A alma é imortal. Aproxima entre si a religião natural e sobrenatural.

No plano da filosofia natural aderiu a Newton, contra Descartes. O espaço e o tempo são absolutos. Estes estariam em Deus, o qual seria seu sujeito de inesão. Por isso mesmo, o espaço e o tempo são absolutos e eternos.

Obras: Uma demonstração do ser e dos atributos de Deus (a demonstration of the being an attributs of God, 1705); Um discurso conernente à obrigação imutável da religião natural (A discourse concerning the unchangeable obligations of natural religion, 1705), reunindo os sermões enunciados por ocasião dos Boyle lectures, de 1704-1705; Pesquisa filosófica sobre a liberdade humana (Remarks upon a book entitled a philosophical enquity concerning human liberty, 1915.

VI - Empirismo francês do séc. 18.
Deistas, materialistas, Enciclopedistas, e similares. 2216y643.

643. Uma forte influência do empirismo inglês se fez notar na França no curso do século 18, a despeito da perseguição oficial. Muitos dos representantes do empirismo francês manifestaram-se contrários à Igreja e ao regime monárquico, de sorte a serem repelidos, refugiando-se alguns deles, ora na Inglaterra, ora na Holanda, mas principalmente no então reino da Prússia, onde, de 1740 a 1786, se destacou Frederico II, o Grande.

É possível redividir os filósofos a que se faz referência agora. Mas os critérios rigorosamente dicotômicos nem sempre os acolhem adequadamente.
Uns são empiristas, sem perder de vista um pouco de racionalismo, com teses dualistas, distinguindo corpo e espírito; entre estes figuram Condillac, e os que de perto acompanharam psicologia: Carlos Bonnet (1720-1793) e, já na passagem do século, Destut de Tracy (1754-1836).

Com frequência os deistas conservam o conceito de Deus pessoal e uma noção de alma bastante distinta do corpo. Tal acontece, por exemplo, com o combativo Voltaire.

Outros são monistas materialistas, como La Mettrie, Helvetius, D'Holbach, Diderot, D'Alembert, seguidos mais adiante no tempo por Cabanis, Broussais, Lamarck, os quais finalmente dão desenvolvimento aos conceitos de transformismo e evolucionismo. Não se trata de um materialismo meramente mecanicista, como aquele de Descartes, que interpretara os corpos apenas como partículas, cujo movimento se dava a partir do exterior e da propagação por choques dos mesmos entre si. O materialismo monistas, eliminando o dualismo, passa para dentro do conceito de matéria a propriedade da vida.
Foram chamados enciclopedistas os que promoveram a Enciycloppédie ideada por Diderot e D'Alembert, e impresso de 1751 a 1773. Com este nome se pensa denominar generalizadamente aos empiristas franceses da segunda metade do século 18. Ainda que o nome seja dos mais sugestivos, importa ressalvar, que o enciclopedismo francês já era o fruto maduro de um movimento, que já vinha de décadas anteriores. A referida Enciclopédia teve seus precedentes na Enciclopédia de Bayle, de 1697 (vd n 622) e na inglesa de Chambers, 1727, com 2 volumes. Surgia entretanto como vigoroso projeto maior de Diderot (vd) e de D'Alembert (vd), com o seguinte pomposo título: Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et de métier, par une societé de gens de lettres. Mis en ordre et publié par M. Diderot...; quant à la partie mathématique, par M. d'Alembert.

É admissível abordar os nomes dos principais filósofos em questão, pela ordem cronológica, advertindo para os detalhes que os envolvem.
 

644. Montesquieu. Charles-Louis de Secondat, Barão de... (1689-1755). Filósofo e político francês, nascido no Castelo La Brède, perto de Bordeaux. De 1705 a 1708 cursou direito na Universidade de Bordeaux. Aperfeiçoando-se em Paris, de 1709 a 1713, quando faleceu o pai. De volta à Brède e assumindo a herança, passou ao exercício da política. Presidente do senado de Bordeaux de 1714 a 1726. Membro da Academia Francesa em 1728. Percorreu vários países, em diferentes datas, com oportunidade de conhecer as instituições sociais e políticas.

Ocupou-se principalmente do tema político, com enunciados geralmente moderados e à base da experiência, como é próprio do positivismo que professou. Tanto foi filósofo social como também precursor da sociologia na França. Encontra-se sob influência do pensamento político de Locke e apresenta a moderação típica dos primeiros tempos do iluminismo francês. A partir de Montesquieu, os franceses passaram a discutir assuntos da vida pública e a influir nela, inaugurando pois a inteligência de seu país. A influência de Montesquieu sobre o futuro dá-lhe característica de precursor em alguns aspectos principalmente no político, na sociologia, no positivismo, sobretudo em relação a Rousseau. Apesar de moderado foi todavia jocoso a respeito do prazeres da vida e da relatividade dos costumes de nação para nação.

Distinguiu três formas de governo: democracia, - considerando-a viável para os pequenos países; monarquia, - melhor para os grandes; tirania, - em qualquer hipótese inaceitável. O melhor governo é o que melhor garantir a liberdade de todos. De outra parte admite que o bom governo é o que melhor se adata às circunstâncias de um povo; não acontece, pois, um conflito entre a lei natural e a lei ajustada à cada realidade. Dali também porque certos despotismos aparentam por vezes ser bom governo.

A divisão dos poderes em executivo, legislativo, judiciário, é garantia para a liberdade dos cidadãos, e fator de eficiências dos mesmos poderes. Não considerou com profundidade a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo.

Foi Montesquieu livre-pensador em matéria religiosa. Obras: História romana (Historia romana, 1705), ensaio estudantil, que já expressa preocupação política e filosofia da história; Discurso sobre Cícero (Discours sur Cicéron, 1709); Memória sobre os deveres do Estado (Mémoires sur les dettes de l'État, 1716); Dissertação sobre a política dos romanos (Dussertation sur la politique des romains dans la religion, 1716); Elogio da sinceridade (Eloge de la sincerité, 1717); Cartas persas (Lettres persanes, 1721), livro que lhe abriu a fama de escritor, mostrando, de modo irreverente, mas sério, como aos olhos de um persa que visita a França, os usos e as instituições ocidentais parecem pouco razoáveis; Diálogo de Xantipa e de Xenócrates (Dialogue de Xantipe et Xénocrate, 1723); Cartas de Xenócrates a Pheres (Lettres de Xénocrate à Phérès, 1923); Diálogo de Silla e de Eucrates (Dialogue de Sylla et d'Eucrate, 1724); Reflexões sobre o caráter de alguns príncipes e sobre alguns acontecimentos de suas vidas (Réflexions sur le caractère de quelques princes et sur quelques événements de leu vie), deste período mas de data incerta; O templo de Gnide (Le temple de Gnide, 1725); Ensaio abordando as leis naturais e a distinção do justo e injusto (Essais touchant les lois naturelles et la distinction du jus et de l'injusto, c. 1725); Da consideração e da reputação (De la consideration et de la réputation, 1725); Discurso sobre a eqüidade que deve reger os julgamentos e a execução das leis (Discours sur l'équité que doit régler les jugements et l'exécution des lois, 1925); Discurso sobre os motivos que nos devem encorajar para as ciências (Discours sur le motifs que doivent nous encourager aux sciences, 1725); Reflexões sobre a monarquia universal na Europa (Réflexions sur la monarchie universelle en Europe, 1927; Viagem a Pafos (Voyage à Paphos, 1927); Discurso de recepção à Academia Francesa (Discours de réception à la Académie Française, 1728); Considerações sobre a causa da grandeza dos romanos e de sua decadência (Considerations sur les causes de la grandeur des romains et de leur décadence, 1734; Ensaio sobre as causas que podem afetar os espíritos e os caracteres (Essai sur les causes que peuvent affecter les esprits et les caractères), em data incerta; O espírito das leis (L'ésprit des lois, 1748), obra principal do seu pensamento político; Defesa do Espírito das leis (Défense de L'ésprit des lois, 1750); Ensaio sobre o gosto (Essai sur le gout, 1757); Meus pensamentos (mois pensées, 1720-1750). E ainda cartas, poesias, relatos de viagens e ciências naturais.
 

645. Voltaire (Pseudônimo de François-Marie Arouet) (1694-1778). Literato e filósofo social francês, nascido em Paris. De família abastada, estudou com os jesuítas, 1704-1711. Cedo se tornou um livre-pensador, frequentando a sociedade dos templários. Teve logo sucesso escrevendo peças de teatro. Suas irreverências o fizeram ser preso ao insultar o influente Duque Rohan-Chabot e ser em consequência exilado para a Inglaterra, 1726, aos seus 32 anos. Nos 3 anos que ali permaneceu, assimilou a filosofia empirista inglesa, que difundiu a seguir na França, onde até aqui predominavam formas várias do racionalismo cartesiano. Mas seu livro elogiando a liberdade religiosa e política na Inglaterra foi condenado, e ele teve de sair de Paris, refugiando-se por 10 anos no castelo de Cirey, onde viveu como amante da marquesa de Châtelet. Em 1744, de novo retornado a Paris, ingressou já em 1746, na Academia Francesa (de Letras), e passou a frequentar a corte sob a influência de Madame Pompadour. Em 1750 seguiu, a convite do rei Frederico o Grande, para a corte da Prússia. Também ali, após 3 anos, acontecem discordâncias com o Presidente da Academia de Berlim e o rei. Seguiu então Voltaire para Genebra, carregando sempre sua bagagem literária agora já bem crescida. No espaço de 1753 a 1788 passados na Suíça, envolveu-se em prósperos negócios e participou desde 1755 do Dicionário Enciclopédico francês. Retornando em fevereiro de 1778 a Paris foi bem recebido, mas logo faleceu, ainda no mesmo ano.

Ideologicamente, Voltaire foi um filósofo empirista, deísta, liberal, burguês. Como empirista, foi influenciado por Locke e Condillac, pouco apresentou de teórico, que justifique plenamente esta qualificação epistemológica, ainda que fosse um divulgador desta posição. Como deísta, rejeitou qualquer sobrenaturalismo, sem afastar a noção mesma de Deus. Apesar do esforço da razão, adverte que ela costuma estar em combate desigual, a religião natural: "para um só filósofo há ainda hoje cem fanáticos". Combateu por meio de todos gêneros literários o clericalismo, juntamente com os males a que a Igreja de então se encontrava eventualmente atrelada. Firmou-se, que não admitia a autoridade exterior da Igreja sobre o pensamento. De outra parte admitiu que o cristianismo foi a menos má de todas as religiões. Defendeu a liberdade de consciência e a estrutura política da sociedade como efeito de um contrato social sem entraves absolutistas. Não obstante, como burguês, não desenvolveu uma filosofia social enfática para a sociedade injusta de seu tempo. Os setores filosóficos aos quais se dedicou, tiveram ampla repercussão, explodindo logo depois na revolução francesa, de 1789.
Em estética se fez um clássico da língua francesa.

Obras: Cartas filosóficas, ou Cartas sobre os ingleses (Lettres philosophiques, ou Lettres sur les anglais, Londres 1728; Paris 1784), destacando a tolerância religiosa e política; Observações sobre os pensamentos de Pascal (Remarques sur les pensées du Pascal, 1734); Elementos da filosofia de Newton (Éléments de la philosophie de Newton, Amsterdam, 1738, Paris, 1741); A metafísica de Newton, ou paralelo dos sentidos de Newton e de Leibniz (La métaphysique de Newton et de Leibniz, 1740); Tratado sobre a tolerância (Traité sur la tolérance, 1763); Dicionário filosófico (Dictionaire philosophique, 1764); O filósofo ignorante (Le philosophe ignorante, 1767); Questões sobre a Enciclopédia (Questions sur l'Enciclopédie, 1770-1772); Resposta ao sistema da natureza (Réponse au système de la nature, 1772).

Peças de teatro mais bem sucedidas, instrumentadas para serem portadoras de idéias: Edipo (Oedipe, 1718), anticlerical; Semíramis (1748), patriótica, tendência que se repete nas seguintes; O órfão da China (L' orphelin de la Chine, 1755); Tranc de (1760).

Romances, ou contos filosóficos: Zadig (1748); Micromégas (1752); Cândido ou o otimismo (Candide o l' optimisme, 1759-1761), obra prima, que tomou o terremoto de Lisboa como pretexto para refutar o otimismo do século. Textos poéticos, de pouco lirismo embora, todavia com outras validades: Henriada (Henriade, 1728), epopéia de elogio à tolerância de Henrique IV da França e do patriotismo francês, que faz lembrar os Lusíadas, dos portugueses; A donzela de Orleans (La pucelle d'Orleans, 1755-1771), em que a irreverência e a obscenidade são o objeto em questão; O homem com quarenta ducados (L'homme aux eux quarante écus, 1768), defesa da burguesia frente ao Estado aristocrático feudal.

Livros de história, inovando com a referência à cultura, letras e artes: História de Carlos XII (Histoire de Charles XXII, 1731); O século de Luis XIV (Le siècle du Louis XIV, 1751); Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações (Essai sur l'ésprit et moeurs des nations, 1756), uma das primeiras histórias com enfoque de liberalismo religioso e político; História da Rússia sob Pedro o Grande (Histoire de la Russie sous Pierre le Grand, 1763).
 

646. La Mettrie (ou Lamettrie). Julien-Offroy de ... 1709-1751). Filósofo francês. Estudos de medicina em Paris. Em 1733 Bacharel em Reims. Alguns anos trabalha em Leyden, Holanda. Retorna à França, foi médico dos guardas franceses. A participação em batalhas lhe ofereceu oportunidades para observações médicas. Suas manifestações materialistas o fizeram ser exilado da França em 1746, retornando à Leiden, Holanda. Em 1748, seguiu para um refúgio mais distante, em Berlim, sob Frederico II, ali passando a médico do rei.
Pela ordem da antiguidade, figura como um dos primeiros empiristas franceses do século 18. Observando o estreito relacionamento entre as faculdade mentais e os fenômenos corporais, reduziu os dois campos em um mesmo sistema, o monismo materialista, uma espécie de hilozoismo. Neste quadro materialista monista, alma e Deus como distintos seres são falsidades. Abandonou La Mettrie a concepção cartesiana meramente mecanicista de matéria inerte, por uma concepção mais dinâmica, atribuindo-lhe também atividades finalísticas. Com um conceito mais abrangente das qualidades da matéria, desenvolveu um monismo coerente que integra no mesmo grande sistema tanto as manifestações mais simples da realidade, como as superiores. O mecanicismo de Descartes era possível, porque no seu dualismo as qualidades superiores passavam à substância do espírito; no monismo materialista elas pertenciam à mesma matéria. Newton (vd), que era dualista, também rejeitou alguns aspectos do mecanicismo cartesiano, porque passou a atribuir à matéria a força da gravidade. Na sua geração foram materialistas na França, também Helvétius e D'Holbach, seguidos logo depois, por Cabanis e Broussais.

Obras: Cosme vingado (Cosme vengé, 1744); A política do médico de Machiavel (La politique du médicin de Machiavel, 1746); História natural da alma (Histoire naturel de l'âme, 1745); A obra de Penélope ou Maquiavel em medicina (L'oeuvre de Pénélope ou Machiavel en médicine, 3 vols., 1748-1750); O homem máquina (L'home-machine, 1748), obra mais apreciada; O homem planta (L'homme-plante, 1748); Tratado da vida feliz de Sêneca com o Anti-Sêneca, ou Discurso sobre a felicidade (Traité de la vie heureuse de Sénèque avec l'Antini-Sénèque, ou Discours sur le bonheur, 1748), contendo a tradução do De vita beata, de Sêneca, seguido do Discours; Sistema de Epicuro (Système d'Epicure, 1750); Os animais mais que máquinas (Les animaux plus que machines, 1750; A arte de gozar (L'art de jouir, 1751); Vênus metafísica, ou ensaio sobre a origem da alma humana (Vénus métaphysique, ou Essai sur l'origine de l`âme humaine, 1751).
 
 


647. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Filósofo e literato suíço de expressão francesa, n. em Genebra. Havendo perdido sua mãe ao nascer, teve uma infância e juventude tumultuadas, com diferentes paradeiros em seu mesmo país, depois também na Itália e França. Encaminhado para um Seminário católico em Turim, o fizeram ali deixar o calvinismo da família. Depois, desistindo de receber ordens eclesiásticas, retornou à Suíça, onde chegou a lecionar música em Lausane. Transfere-se para França, alcançando Paris em 1731. Mas, não conseguindo subsistir, tomou o caminho de Savóia, onde foi acolhido por Madame de Warrens, em Chamberry, que com ele mantêm relacionamento amoroso. De novo a música o ocupa. Em 1741 está de volta a Paris, apresentando então à Academia de Ciências o projeto de uma nova notação musical, sem todavia conseguir fosse aprovada. Mas, neste oportunidade conseguiu Rousseau abrir caminho para seu futuro, quando foi levado como secretário do embaixador da França à Veneza. Quando retornou terceira vez à Paris, contactou aos enciclopedistas Diderot e Grimm. Contou também com a amizade de Madame d'Epinay. Passou a ter destaque em consequência do prêmio ganho em 1750 da Academia de Dijon por um ensaio sobre ciências e artes. Retoma seu título de cidadão de Genebra, em 1754, e reverte ao protestantismo. Mais uma vez Paris, continua a obter sucessos literários, ainda que com uma vida tumultuada de incidentes pessoais. Com prisão decretada, acolheu-se mais uma vez à Suíça, e depois à Inglaterra, onde foi recebido por David Hume. Não se adatando também ali, retornou à capital francesa, onde viverá seus últimos anos, já agora com sofrimento.

O que a vida não lhe deu, Rousseau o idealizou, pois para tanto tinha coração e inteligência. Interpretou a natureza humana como essencialmente boa e capaz de ser conduzida pela educação a níveis superiores. Este conceito, já defendido pelos antigos cristãos pelagianos, ainda que condenados pela Igreja oficial, volta a dominar o pensamento moderno, ainda que sob nova roupagem. Contudo advertiu contra o excessivo otimismo dos enciclopedistas, asseverando que a ilustração e as artes também podem conduzir à deturpação. Introduziu Rousseau também o lado sentimental e romântico, que caracteriza os seus escritos. Neste particular afastou-se do lado racionalista dos enciclopedistas e clássicos anteriores. Mas o deismo Rousseau o recebeu dos mesmos enciclopedistas, os quais por sua vez o haviam importado da Inglaterra.

Em política foi um liberal e republicano. Interpretou o Estado como resultado de uma contrato social, sendo pois o poder originado da vontade popular. Neste quadro doutrinário foi condenado pela Igreja. A Revolução Francesa logo aconteceu, mal Rousseau falecera.

Obras: Discurso das ciências e das artes (Discours de les sciences et les arts, 1750), premiado em Dijon; Narciso, ou o amor de si próprio, 1753), comédia; Discurso sobre a origem e o fundamento da desingualdade entre os homens (Discours sur l'origine et les fondements de l'inegalité parmi les hommes, 1755); Economia política (1755), artigo na Enciclopédia, tomo V); Carta a d'Alembert sobre os espetáculos (Lettre a d'Alembert sur les spectacles, 1758); Carta a Voltaire sobre a Providência (Lettre à Voltaire sur la Providence, 1759), escrita em 1756; Júlia ou a nova Heloísa (Julie ou la nouvelle Heloise, 1761); Carta à Sofia (Lettre à Sophie, 1761); Do contrato social ou princípio de direito político (Du contract social ou principes du droit politique, 1762), famosa; Emílio, ou da educação (Émile, ou de l'éducation, 1762), também famosa; Carta a Cristóvão de Beaumont (Lettre à Christophe de Beaumont, 1763); Cartas escritas na montanha (1764); Carta a Mirabeau (1767); Diálogos (1772-1776) Póstumos: Emílio e Sofia, ou os solitários, 1780); Rousseau, juiz de Jean Jacques (Rousseau juge de Jean-Jacques, 1780-1782); Devaneios de um passeante solitário (Rêveries dupromeneur solitaire, 1782), inacabado, escrito de 1777-1778); Ensaio sobre a origem das línguas (Essai sur l'origine des langues, 1781), impresso juntamente com os textos sobre a música; Confissões (Confessions, 1782-1789), escrito de 1766 a 1770.
 

648. Denis Diderot (1713-1784). Filósofo e político francês, nascido em Langres. Querendo o pai direcioná-lo para que fosse padre, o fez cursar humanidades em um colégio jesuíta, e depois teologia em Paris. Não obstante perder o apoio paterno, tomou rumo próprio, passando a interessar-se pela matemática, letras e filosofia. Operoso, e convidado para traduzir uma enciclopédia inglesa, em seu lugar idealizou um projeto inteiramente novo, juntamente com D'Alembert, que veio a ser a famosa Enciclopédia Francesa, que o tornou célebre. Editada de 1751 a 1772, obedeceu ao modelo mental das novas conquistas da ciência e da moderação da filosofia empirista então em voga.

Livre-pensador, Diderot foi influenciado por Hume e pela psicologia associacionista inglesa. Materialista e ateu, ou melhor, monista, tudo isto combinado com suas novas idéias políticas e religiosas, esteve por isso aprisionado por 5 meses. Adiantou conceitos sobre a evolução. Tornou o materialismo mais científico. Tudo muda, só o todo permanece. "O mundo está a cada instante no começo e no fim".

Os princípios da moralidade são o agradável e o útil. Como liberal, atacou a doutrina do poder divino dos reis preconizada por Bossuet. Praticou a crítica da pintura, desenvolvendo conceitos de estética. Escreveu também romances. Foi, enfim, um filósofo diferente do professoral. Negou a revelação bíblica, considerando-a improcedente.

Obras: O sonho de D'Alembert (Le rêve d'Alembert, 1730); Carta sobre os cegos (Lettre sur les aveugles, 1749); Pensamentos filosóficos (Pensées philosophiques, 1746); Pensamentos sobre a interpretação da natureza (Pensée sur l'interpretation de la nature, 1754); Elementos de fisiologia (Eléments de physiologie, 1774-1780.
A parte, a grande realização de Diderot foi o que veio a ser citado simplesmente como Enciclopédia francesa, cujo título é Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une societé de gens de lettres. Mis en ordre e publié par M. Diderot...; quant a la partir mathématique, par M. d'Alembert (1751-1773). Algumas reedições atingiram 3 dezenas de volumes.
 

650. Etienne Bonnot, abbé de Condillac (1714-1780). Filósofo francês, nascido em Grenoble. Estudou na Faculdade das Artes de Paris (1733-1735), passando a seguir a faculdade de teologia. Padre da Igreja Católica em 1741; não exerceu todavia a função. Nomeado em 1752 Censor Real, cargo em que se conservou toda a vida. Preceptor do Príncipe de Parma, neto do rei Luís XV, de 1758 a 1767. Para ele compôs um curso, em que os vários títulos são ensaios apreciáveis, outros tantos livros que se juntam aos que já publicara e ainda publicaria. Eleito para a Academia Francesa, só esteve presente em sua posse 22-12-1768.

Aderindo ao empirismo de Locke, tornou-o mais radical, por excluir a origem de idéias por mera reflexão (experiência interna), ainda admitida pelo empirista inglês. As idéias se originam todas na experiência externa, ou seja, das sensações. Tudo começa na sensação exterior, continuando na atenção do espírito, cujos juízos e raciocínios não passam de sensações conservadas pela memória, e que continuam em processo de transformação. Comparando entre si as várias sensações, o espírito forma novas idéias. Somente a esta comparação se pode denominar reflexão. As idéias denominadas abstratas são apenas imagens parciais. Por causa desta condição de imagens parciais, são capazes de exprimir as partes semelhantes de vários objetos, ainda que estes sejam individualmente distintos e em alguns aspectos diferenciados, desde que o não sejam em todos; assumem então aquelas idéias parciais o aspecto de idéias gerais. O juízo percebe as relações. E o raciocínio constrói as ciências.

Não derivou Condillac para o agnosticismo, porque o seu sensismo foi como que subindo de degrau em degrau. Admitiu a existência da alma e de Deus. Condillac operou em contexto cartesiano, no qual sensação e pensamento se reduzem basicamente, de sorte a sensação ser uma idéia confusa, portanto também um pensamento.

Obras: Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos (Essai sur l'origine de connaissances humaines, 2 vols.,1746), sua obra principal; Tratado dos sistemas (Traité des systèmes, 1749), criticando os sistemas de Descartes, Malebranche, Spinoza, Leibniz; Tratado das sensações (Traité des sensations, 2 vols.,1754); Tratado dos animais (Traité des animaux, 1755); Curso de Estudos para a instrução do príncipe de Parma, 16 volumes: l. Gramática; 2. Arte de escrever; 3. Arte de raciocinar; 4. Arte de pensar; 5-10. Introdução ao estudo da história antiga; 11-16. Introdução a história moderna (Cours d'etudes pour l'instruction du prince de Parme, 16 volumes: l. Grammaires; 2. Art d'écrire; 3. Art de raisonner; 4. Art de penser; 5. Introduction a l'étude de l'histoire ancienne; 11-16. Introduction a l'étude de l'histoire moderne, 1776); O comércio e o governo considerados relativamente um ao outro (Le commerce et le gouvernement considérés relativamente l'un a l'autre, 1776); A lógica e os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar (La logique ou les développements de l'art de penser, 1780).
 

651. Helvetius (Schweitzer), Claude Adrien... (1715-1771). Filósofo e literato francês, nascido em Paris. Filho do médico da rainha. O nome de família Schweitzer, fora latinizado para Helvetius. Estudou num colégio de jesuítas. Aos 23 anos foi estabelecido no cargo de Arrematante dos Impostos Régios. Frequentando o palácio, relacionou-se com os enciclopedistas.

Desenvolveu uma filosofia em termos de sensismo, assimilado de Locke e de Condillac, aos quais acresceu o materialismo. Ao publicar seu livro recebeu, em contrapartida de sua ascensão social, a oposição do arcebispo de Paris e das pessoas eclesiasticamente influentes no governo e no parlamento, e também de Roma. Ao mesmo tempo isto o tornava célebre; do contrário seria nada mais que um escritor versátil, e que se propusera a escrever sobre a filosofia.

Obras: Do espírito (De l'esprit, 1758), traduzido em várias línguas, em que o propósito é mostrar que toda a atividade do inteleto se reduz a uma atividade física sensível, abordando também aspectos sociais; Do homem, de suas faculdades inteletuais e de sua educação (De l'homme, de ses facultés et de son éducation, 1772), póstuma.
 

653. Jean le Rond d' Alembert (1717-1783). Filósofo e matemático francês, nascido em Paris. Filho de um amor romântico de Madame de Tencin e do cavaleiro de Touches, foi encontrado como criança abandonada junto a igreja de St. Jean le Rond, da qual tomou o nome. Estudou retórica e filosofia, Direito e Medicina, tendo tido sempre apreço pela matemática. Cedo frequentou os salões em moda na época, fazendo ele amores que também se tornaram célebres. Membro da Academia de Ciências em 1741 e em 1754 da Academia Francesa (de Letras). Com Diderot, foi criador da Enciclopédia Francesa, cujo primeiro volume se imprimiu em 1751, sendo dele o intróito. Retira-se do empreendimento em 1759, o qual publicará o último volume em 1772.

Destacou-se, além de seus dotes literários, em matemática e conhecimento geral das ciências, sobre cuja classificação se ocupa no discurso inaugural da Enciclopédia Francesa. Seguiu de perto a classificação subjetiva, em função as faculdades do conhecimento, elaborada por Francisco Bacon: ciências da memória, - história sagrada, civil e natural; da razão, - filosofia e ciência, de Deus, do homem e da natureza; da imaginação, - poesia (narrativa, dramática, parabólica).

Com tendência eclética, tendeu algo para o ceticismo. Seu pensamento, relacionado com o de Descartes e sobretudo com o empirismo inglês, marcou a transição do referido empirismo para o positivismo de Augusto Comte.

O seu sistema sobre a natureza confere a todos os seres materiais a vida. Este naturalismo permite mais facilmente esclarecer o fenômeno da evolução. Este animismo universal reaparece também em Jean- Baptiste- René Robinet (1735-1820), autor de Sobre a natureza (De la naturee, 1761-1766).
Emitiu também conceitos de estética, sobretudo de língua e música. Combateu jansenistas e jesuítas.

Obras: Tratado de dinâmica (Traité de dynamique,1743), no seu tempo muito apreciado; Tratado do equilíbrio e dos fluídos (Traité de l' équilibre et des fluides, 1944); Investigações sobre a precessão dos equinoxios (Recherches sur la précession dos équinóxios, 1749); Elémentos de música (Élements de musique, 1752); Ensaio de uma nova teoria sobre a resistência dos fluídos (Essai d'une nouvelle thèorie sur la rèsistance des fluides, 1752); Pesquisa dos diferentes pontos importantes do mundo (Recherches sur différents points importants du système du monde, 1754-1756); Miscelâneas de literatura, história e de filosofia (Mélanges de litterature, d'histoire et de philosophie, 2 vols.,1759-1767; Elogio do Senhor Presidente (Eloge de Monsieur le Président de Monstesquieu, 1757); Carta a J.J.Rousseau (Lettre a Jean-Jacques Rousseau, 1759); Sobre a destruição dos jesuítas (Sur la destruction des Jésuites, 1765), editada fora do país, havendo acrescido em 1767, duas cartas, respectivamente contra os jansenistas e contra os jesuítas.

Para a Enciclopédia escreveu o Discurso preliminar (Discours préliminaire, 1751), o texto mais conhecido de D'Alembert. E ainda o artigo O belo (Le beau), os artigos sobre matemática, e a Advertência (Avertissement), do 3-o tomo.
 

654. Jean Baptiste Pierre Antoie de Monnet, Chevalier de Lamarck (1744-1829). Naturalista francês nascido em Bazentin, Picardia. Esteve no seminário jesuíta de Amiens, atendendo vontade do pai. Falecido este, seguiu a carreira militar ao tempo da guerra dos sete anos, e que também deixou, por motivo de doença, passando ao estudo de medicina e botânica. Como tutor do filho de Buffon, visitou os mais importantes jardins botânicos da Europa. Notabilizou-se pelos trabalhos no Jardim das Plantas, de Paris, do qual foi nomeado conservador em 1781. Nomeado também para a cátedra de zoologia, em 1794, do Museu Nacional de História Natural.

Propôs a evolução das espécies, por isso considerado precursor de Darwin(vd). Defendeu o transformismo, em vista da dificuldade de classificar certos animais inferiores, parecendo-lhe mais coerente admitir a transformações acumuladas através de longos períodos de adatação ativa do organismo, criando-se novos órgãos e funções. Pioneiro nesta teoria, então ainda sem muitos recursos de prova, foi Lamarck bastante combatido, mas progressivamente aceito no essência. A ordem inegável de todo o sistema da natureza importava, no seu entender, uma ação divina através de leis naturais.

Obras: Flora francesa (Flore française, 1778); Investigações sobre o organização dos corpos vivos (Recherches sur l'organization des corps vivants, 1802 Filosofia zoológica (Philosophie zoologique, 2 vols, 1809), sobre a evolução, sendo sua obra ideológica principal; Sistema analítico dos conhecimentos do homem (Système analytique des connaissances de l'homme, 1820); Sistema dos animais sem vértebras (Systhème des aniaux sans vertebres, 7 vols., 1815-1822).
 

655. Julien-Offroy de La Mettrie (ou Lamettrie).... 1709-1751). Filósofo francês. Estudos de medicina em Paris. Em 1733 Bacharel em Reims. Alguns anos trabalha em Leden, Holanda. Retorna à frança, foi médico dos guardas franceses. A participação em batalhas lhe ofereceu oportunidades para observações médicas. Suas manifestações materialistas o fizeram ser exilado da França em 1746, retornando à Leiden, Holanda. Em 1748, seguiu para um refúgio mais distante, em Berlim, sob Frederico II, ali passando a médico do rei.

Pela ordem da antiguidade, figura como um dos primeiros empiristas franceses do século 18. Observando o estreito relacionamento entre as faculdade mentais e os fenômenos corporais, reduziu os dois campos em um mesmo sistema, o monismo materialista, uma espécie de hilozoismo. Neste quadro materialista, neste quadro monista, alma e Deus como distintos seres, são falsidades. Abandonou La Mettrie a concepção cartesiana meramente mecanicista de matéria inerte, por uma concepção mais dinâmica, atribuindo-lhe também atividades finalísticas. Com um conceito mais abrangente das qualidades da matéria, desenvolveu um monismo coerente que integra no mesmo grande sistema tanto as manifestações mais simples da realidade, como as superiores. O mecanicismo de Descartes era possível, porque no seu dualismo as qualidades superiores passavam à substância do espírito; no monismo materialista elas pertenciam à mesma matéria. Newton (vd), que era dualista, também rejeitou alguns aspectos do mecanicismo cartesiano, porque passou a atribuir à matéria a força da gravidade. Na sua geração foram materialistas na França, também Helvétius e D'Holbach, seguidos logo depois, por Cabanis e Broussais.

Obras: Cosme vingado (Cosme vengé, 1744); A política do médico de Machiavel (La politique du médicin de Machiavel, 1746); História natural da alma (Histoire naturel de l'âme, 1745); A obra de Penélope ou Maquiavel em medicina (L'oeuvre de Pénélope ou Machiavel en médicine, 3 vols., 1748-1750); O homem máquina (L'home-machine, 1748), obra mais apreciada; O homem planta (L'homme-plante, 1748); Tratado da vida feliz de Sêneca com o Anti-Sêneca, ou Discurso sobre a felicidade (Traité de la vie heureuse de Sénèque avec l'Antini-Sénèque, ou Discours sur le bonheur, 1748), contendo a tradução do De vita beata, de Sêneca, seguido do Discours; Sistema de Epicuro (Système d'Epicure, 1750); Os animais mais que máquinas (Les animaux plus que machines, 1750; A arte de gozar (L'art de jouir, 1751); Venus metafísica, ou ensaio sobre a origem da alma humana (Vénus métaphysique, ou Essai sur l'origine de l`âme humaine,1751).
 

655. Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet. 1743-1794). Filósofo e político francês, nascido em Ribemont, próximo de Saint-Quintin. Cedo suas publicações sobre matemática lhe deram destaque, e lhe valeram ser logo, em 1769, ser recebido na Academia de Ciências. Mais tarde, em 1791, também será recebido na Academia Francesa de Letras. Eleito também em 1791 para a Assembléia Legislativa, dela também foi o presidente. O futuro, todavia, não foi favorável. Do partido dos girondinos, contrário aos jacobinos. Contra a pena de morte, protestou contra os excessos da revolução. Posto sob suspeição, fugiu, conseguindo ocultar-se por alguns meses. Preso, foi encontrado morto na cela, talvez porque houvesse tomado veneno.

Livre-pensador, preocupado com o progresso social, não só do indivíduo, mas da sociedade. Neste progresso a sociedade se liberta cada vez mais da tutela religiosa e dogmática, para crescer com o apoio na ciência. Humanitário, Condorcet fez reparos contra a escravidão negra e às restrições aos protestantes na França.

Obras: Reflexões sobre a escravidão dos negros (Réflexions sur l'esclavage des nègres, 1781); Sobre o estado civil dos protestantes da França (Recueil de l'etat civil des protestants de France, 1781); Vida de Turgot (Vie de Turgot, 1786); Vida de Voltaire (Vie de Voltaire, 1787), atacando em ambos os livros os privilégios dos nobres; Quadro geral da ciência que tem por objeto a aplicação do cálculo as ciências morais e políticas (Tableau général de la science que a pour objet l'application du calcul aux sciences morales et politiques, 1793); Esboço de um quadro histórico do progresso do espírito humano (Esquisse d'un tableau historique des progresses de l'esprit humaine), escrito de dezembro de 1793 a março de 1794, quando foi preso.
 

656. Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-1808). Médico e filósofo francês, nascido em Cosnac, Corrèze, Limosin. Veio para Paris em 1771. Iniciou estudos de medicina em 1777. Médico em 1784. Professor de medicina. Participou da revolução de 1789. Membro do senado nomeado de 1797, sob Napoleão. Depois se tornou hostil a este, passando a ser um representante típico dos chamados "ideólogos".

Amigo dos enciclopedistas Mirabeau e Condorcet. Aderiu ao empirismo sensista e ao monismo materialista. A alma não é um ser separável, mas apenas uma função ou faculdade do corpo. Agnóstico, advertiu contudo que materialismo e espiritualismo, como distinções metafísicas, não se podem decidir a partir de fatos.

A partir do sensismo generalizado e da unidade específica de corpo e espírito, aproximou entre si as ciências físicas, psicologia, a fisiologia e a ética. Havendo abordado sob perspectiva materialista assuntos metafísicos, provocou reações no campo contrário.

Obras: Do grau de certeza da medicina (Du degré de certitude de la médicine, 1798); Reportagens de física e de moral do homem (Rapports du physique et du moral de l'homme, 2 vols., 1802); Uma vista d'olhos sobre as revoluções e sobre a reforma da medician (Coup d'oeil sur les révolutions et sur la réforme de la médicine, 1804); Carta a Fauriel sobre as causas primeiras (Lettre a Fauriel sur les causes premières, redigidas em 1806-1807, editadas em 1814); além de obras de medicina.

VII - Empirismo fora da Europa no séc. dezoito. 2216y657.
 
 

657. A par do racionalismo (vd 216-000) também ocorrem no decurso do século 18 filosofias empiristas fora da Europa, um pouco na América e nos países orientais.
 

658. Conclusão geral do 1-o período da filosofia moderna. Pelo que se constatou, iniciou a filosofia moderna sob forte preocupação gnosiológica, vindo a concentrar-se na interpretação fenomenista do conhecimento, dada por Descartes. Prevaleceu no primeiro período da filosofia moderna a solução do realismo mediato, que admitia atrás do fenômeno a realidade. Mas, ao término deste primeiro período da filosofia moderna, já se manifesta forte tendência para o fenomenismo puro, marcadamente em Hume. Será este o caminho preferido de muitos, no período seguinte, quando terá desenvolvimento o apriorismo e o idealismo; por causa desta nova tendência eminentemente crítica cessa o período anterior e tem lugar o novo, de que Kant, já adiantado em anos, será o principal propulsor.

Com referência ao realismo imediato, anterior ao realismo mediato, continua rá no ostracismo. Os poucos escolásticos que sobravam (vd ... ) e a escola escocesa (vd), simplesmente ficarão no olvido. Para todos estes, o pensamento originariamente é uma intencionalidade, manifesta sobretudo no juízo, o qual pensa em termos de verbo ser. Não obstante o espírito da escolástica derrotada não desaparecerá totalmente (vd 202-000), ainda que isto demore (vd 290-000), porque insistirá no futuro na natureza intencionalística do conhecimento, contra todos os ventos da interpretação fenononista, quer do realismo mediato, quer do fenomenismo puro.


Cap. 14