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«Aqui há uma Luz esplendorosa, mas em Angola há mais Luz» Imprimir E-mail
Fonte: Carlos Gonçalves - AD   
Saturday, 04 March 2006
ImageA sua vida é uma escultura de pontes entre vidas. Falamos do artista plástico José Rodrigues. Uma entrevista.

Um angolano híbrido nas origens transmontanas dos pais. Ele no entanto, nascido em 1936 em Luanda, conta-me a sua irmã mais nova Irene, era um estudante enviesado que não prestava muita atenção às coisas para que se educavam os meninos da época, médicos ou engenheiros, quando muito doutor advogado.

No entanto, as suas mãos remexiam em coisas nojentas como o barro e a lama, professores e família atónitos foram descobrir um busto de Camões feito pelo menino Zeca, como lhe chama a mana Irene.
ImageEra o drama de ser oleiro no tempo dos doutores que se faziam nos banquinhos de aplicação. Ele nascera-o, já feito de outros talentos, como se confirma hoje com a sua obra, que se confunde com a sua e as nossas vidas de todos os dias.

José Rodrigues é formado em Escultura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto (EBASP), onde viria a dar aulas também.
Ecléctico, o seu trabalho é multidisciplinar e vai da medalha à gravura, passando pela cerâmica, ilustração e cenografia por exemplo, quando trabalhou com o Teatro Experimental de Cascais e o Teatro D. Maria II.
Em 1988 dedica-se à animação cultural e com alguns parceiros funda a Cooperativa Árvore que tem a vocação de desenvolver um projecto de ensino que englobasse várias linguagens criativas.

É nessa perspectiva que vários dos mais destacados artistas plásticos angolanos da actualidade beneficiam de formação. Estava garantida mais uma das muitas pontes de cultura que organizou ao longo dos anos.
ImageÉ sobretudo como escultor que vimos associado o seu nome, embora dinâmico e irreverente, sempre experimentando diversos sentidos e formas de abordagem para depositar o seu talento. Assim fez-se escultor de fama mundial, com presenças nas bienais de Veneza e São Paulo. Prémio Soctip de Artista do Ano em 1990.

Condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 1994, a sua obra está aí no caminho de todos os dias dos portugueses, seja na rua, seja no interior de uma igreja. O seu campo de trabalho é sua moradia.
O Convento de Sanpayo verticalizado no alto de Vila Nova de Cerveira. Lá bem no alto como o artista. Foi lá que encontrei o homem que entende que o “consenso é mau. Eu sou um homem de atritos, de tensões…sem tensão não há cidade, não há cultura, não há ensino”, disse uma vez aquele que “gostaria imenso que arte fosse o lugar dos jovens”.

Angola Digital: Aqui em Viana do Castelo diz-se que o senhor construiu uma extensão de Angola. Como foi isso possível?
José Rodrigues: É claro que isso só foi possível porque havia pessoas com os ouvidos limpos e sem doenças, que ouviram as minhas palavras e puseram-nas em prática. Defensor Moura é um homem muito atento. Ele tem uma sensibilidade muito especial para as questões da Lusófonia, falou ao Abreu (Alberto A. Abreu) e há mais gente e a coisa fez-se.
Eu sinto-me orgulhoso por ter tido a ideia, eles tem o mérito de a ter realizado. São dez anos não é? Essa Câmara é realmente única. Ver aqui o Ministro Boaventura Cardoso, o Embaixador Antero Abreu, a Ana e essa gente toda a falar de Angola é absolutamente comovente.
A minha tese é esta: eu gosto muito dos engenheiros que fazem as pontes de betão, mas gosto mais dos engenheiros que fazem pontes de cultura. Essas que unem mais. O que estamos aqui a assistir é um acto afectivo e isso é que é importante. Repara que estamos todos aqui com lágrimas nos olhos, o que até parece mal, porque temos o sentido da inversão. Repara, tu estás a falar comigo, como se fosses meu irmão, se calhar és mesmo meu irmão, porque ser irmão não é nascer da mesma mãe, é ter ideias com afinidade como nós temos.

AD: Acho que o mais importante é teres erguido uma ponte que se eleva cada vez mais e permita mostrar aqui um país com vitalidade, onde se constrói muito a ideia de que somos de um país moribundo, onde nem sempre a arte está relacionada com a vida…
JR: É verdade. Infelizmente é verdade. Tens toda a razão e tocaste aqui num aspecto importante. Eu acho que há poucas pontes para Angola. Há ao nível das poucas pessoas, mas não há por exemplo ao nível do ensino efectivo.
Tu vais estar em Cerveira e vais ver como nós fizemos há dez anos a primeira vinda de estudantes angolanos para cá. E foi bom, tudo correu muito bem, o Jorge Gumbe é um produto disso, o Van, mais gente que anda por aí. Infelizmente não houve consequências disso.
É pena. Acho que entre lá e cá ainda há um complexo de culpa. Portugal e Angola ainda falam com os olhos postos no chão. Já é altura de olharmos um para o outro. O que está feito está feito, é história. Sei que há traumas mas, os filhos já não têm esse trauma, há uma geração que já está limpa.
Então que vão para lá e que venham de lá, que estamos condenados a coexistir uns com os outros. Portugal tem um destino que é África e nós temos a língua que, em muitos casos da Europa, é um factor de separação. No nosso caso ela une.

AD: Como é que Angola aparece na sua arte?
ImageJR: Eu explico. Angola é a sensualidade. Angola é magia para mim. Portugal deu-me, porque estudei cá e fui também professor, Portugal mostrou-me o pecado, coisa que não há em Angola. A sensualidade de lá, cá foi-me vetada. De facto a sensualidade é uma arma para libertar o ser humano, tão forte como uma metralhadora. Cá não há. Foi lá onde aprendi. Ver as crianças e as mulheres a dançarem é maravilhoso. Cá não, tapavam-se logo, cobriam-se com panos pretos.
Portugal só agora se começa a desbravar, porque houve aqui uma certa repressão, um certo velório, reconheço que este velório está a acabar e está a nascer uma nova gente, sem vergonha de mostrar o peito, uma perna ou o ventre, isto está acontecer e é óptimo.

AD: Essa luz que tem Portugal é um indício africano?
JR: É verdade. Mas há uma coisa que é perigosa. Olha para ali (mostrando edifícios e monumentos). Século doze, século dezassete. Ora, é preciso conciliar o passado: este e o futuro que é África. Isso aqui o que são? São fantasmas. Isso dá-te a volta à cabeça. Em Angola o que é que tens?
Tens a grande mata, tens o céu imenso, tens a praia, tens o barulho da floresta que cá não há, aquele barulho esplendoroso, o cheiro pá.
O cheiro da terra (p.q.p). Não te esqueças de tirar o p.q.p, mas o cheiro da nossa terra é uma coisa que não há em parte nenhuma. Por isso, aqui é isso: os fantasmas do passado (que é bom), mas é perigoso.
Lá não. Fazes tudo o que quiseres, lá é o caminho. Eu acho que me dou bem com esses dois sentimentos. E tens razão, aqui há uma luz esplendorosa. Mas em Angola há mais luz.
Última Actualização ( Monday, 22 May 2006 )
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«Raízes de um Povo» é a fotografia vencedora.
Parabéns ao Miguel Ferreira

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